A garça II, poema RCF

                                         

 

 

Eis que a garça

                        para

            e, assim,

            fixa,

            é flor do cerrado.

Tomada de susto,

                        abre asas,

            é a flor que voa

            assim como a flor

            é a garça

            fixa

            no chão.

 

Vem, me diz,

                        não és

            garça e flor?

Assim,

                        fixa,

            no cerrado dos meus olhos,

            não expandes

            a fixidez do teu olhar

            – infinito e horizonte –

            e

                                    quando

            teus cabelos voam,

            qual as de garça

                                    – graciosa –

            não és

            flor que voa? 

(poema de Estrangeiro, Sette Letras, 1997)

 

Tríplice coroa, poema RCF

 

Nessa noite subalterna

as horas marcham 

as núpcias dos ciprestes e do evanescente.

Quando chegar a alvorada 

os olhos estarão mortos 

e os velames transformados em pó.

Praias mudas e cerradas 

abocanharão o vento

e a respiração do limite. 

(do livro Matadouro de vozes, 2018)

O egoísmo da carne

A carne é egoísta.

Busco então, como qualquer humano,

o livre comércio do beijo

onde a vida estufa como uma sutura.

Eis a ferida

que secreta segredos:

o imponderável esplendor da minúcia.

Uma fruta que cai

e não alcança o chão.

Flexões e reflexões

 

 

 

 

 

Todo dia acordo são, 

raras vezes sou.

 

Meu tempo

é o infinito presente.

Sou todos os modos,

sofro com os outros,

todo dia sou a vítima,

o morto, o genocídio.

 

Preciso ser eu,

algumas vezes, meu Deus,

me flexionar

na barra nossa de cada dia,

e ter o imperativo

de conjugar

a primeira pessoa

do meu modo

singular de ser.