quinta-feira, 20 de junho de 2024

Cúmulo nimbo, poema

 


 

 

 


 

 

 

Não quero brigar comigo,

tornar-me meu desafeto.

Por isso recolho

meu cúmulo nimbo,

não chovo dentro de mim.

Cria-se um aguaceiro

no meu pensamento,

e inundo meus nervos.

A tormenta me acompanha

até o escritório

onde não estou a salvo

da minha imaginação.

A idiotia impregna na pele,

entra pelos poros,

quando se vê o homem

está pleno de discórdia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Anatomia dos umbigos, poema

 


 


 

 

 

 

Não quero saber de brasa,

mas do calor;

da tempestade,

mas dos danos;

do vício da plantação,

mas da colheita.

 

Meu coração esbraseia

a cada lava de sangue;

conheço dez lições

para piano

em meio ao vendaval;

e a doçura

da cana brava.

 

Todo meu corpo

está cheio de umbigos

e, a cada um que corto,

um respiradouro

cresce na asma do mundo.

 

 

segunda-feira, 17 de junho de 2024

As ilhas derrotadas, poema RCF









No Maranhão, como no Titicaca,
e, dizem, também no México,
há ilhas que frei dos Prazeres
chamou de andantes.
São ilhas desnorteadas,
ilhas sem âncoras.
Vão cansadas de tanto migrar
e nunca chegar a termo,
prontas para invadir o fulcro da surpresa.
As ilhas viajantes são andarilhas de mato,
o desejo submerso de limo,
a busca constante do vício e do único.
Incomodam o homem as ilhas
que vagam além de sua inércia
e, estando um dia aqui,
outro dia acolá, as ilhas flutuantes
lembram-lhes que nem toda terra
é firme, nem toda ilha tem sua localização
exata e que os homens, se não são ilhas,
tampouco têm terra firme
e, flutuantes, andantes e viajantes,
podem dormir num canto de rio pacífico
e acordar na máquina de água
que são as cachoeiras,
trituradoras de homem e terra,
que desabam em si e findam mundo.



(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)

As águas da revolta

 


 

 


 

 

 

Tenho medo das águas rugidoras

que cumprem outro papel

que não o de caminho.

Um oceano

é um rio sem margens.

Sempre me afogo nos pesadelos,

há bocas que me engolem,

correntezas

que me puxam pelos cabelos.

Se sereias existem,

elas menos me seduzem

que me apavoram.

A gente vai vivendo

espumando de raiva,

agarrados a uma rocha precária,

anfíbios

entre o tédio terrestre

e as profundezas

revoltas do amor.