Posso
caber nos mais míseros lugares:
nas frestas das janelas
abandonadas de um convento,
nos parafusos
enferrujados das mesas bambas,
nos vidros empoeirados
dos basculantes,
na dobra das cartas do
baralho de um jogo de pôquer.
Indiferente
aos carvalhos e às mãos longas do adeus,
descerei o rio das
aleias, na canoa rija.
A morte flui como um rio
embora outras formas
de água sejam mares
mortos.
Como a piscina:
estranha
tumba
onde
nenhuma vida viceja
na
água clorada
e
passageira
dos banhistas.
Tudo
falseia num mundo de águas.
No aquário existe a
imitação da vida
marinha no estelionato
da ostras
de plástico que
borbulham suas
pérolas
de oxigênio.
O
ínfimo, o pouco, o nada –
nenhum
deserto tem a secura
de
minha alma beduína.
Que
ilusionismo é este? Um poço de fundo falso,
um relógio
sem ponteiros,
um trem sem
trilhos
e
o jogo de
xadrez – imóvel e eterno –
jogado sem
peças.
Tenho medo
de acabar falando sozinho
como os
loucos e os rádios.
Ao
me virem nas fotos do álbum esquecido
na gaveta
dirão:
quem
é este de cabelos ralos
e
óculos
de aro fino?
(do livro Estrangeiro. Rio: Sette Letras, 1997)