quarta-feira, 1 de julho de 2020

Fachada, poema de Donizete Galvão




Logo vai terminar o prazo
para o homem construir sua fachada.
Ele continua em andaimes.
                                       Provisório.
Exibe máscaras cambiantes.
Sua face inconclusa,
sustentada por ferragens,
parece esconder que,
em todos esses anos de obra,
ergueram-se inúteis plataformas
para edificar um escombro.

(do livro O homem inacabado, São Paulo: Portal Literatura, 2010)

terça-feira, 30 de junho de 2020

Faça você mesmo, poema RCF




Com cinco gramas de ciúme
não se faz um amor.
Muito menos se pode cultivar
uma amizade com uma colher
de sopa de angústia.

É preciso levar ao forno
do amor o que queima
o corpo: untar o vício
das pernas no coito.

Manter em fogo brando
a imaginação. Se alto
em demasia, doura a crosta
sem cozinhar por dentro.

Se o fogo é baixo em demasia,
pode desfibrar o que por natureza
deve ser uno e compacto
como uma pedra que se gasta,
mas leva séculos
de fogo brando do vento
para esfarinhar o que é rocha.

O tempero é ao gosto da carência.
Virar o amor de tempos em tempos
já que tende a cozinhar
o que já está cozinhado.
É fundamental levar à mesa
e não degustá-lo
porque assá-lo
é preferível à degustação
que logo finda.


(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)