O homem olha o Mondego
Ronaldo Costa Fernandes → O homem olha o Mondego
Alguns rios me banham: Bacanga e Anil.
Meu corpo está cheio de rios:
minhas veias são rios vermelhos
que desembocam no mar do meu coração.
Os rios se instalam em mim
em mim me danam, lanhando
por dentro meu corpo, linfáticos e
cheio de incertezas, onde habitam
passado e história, dor e escuridão.
Há rios em mim que desconheço
sua foz, sua embocadura,
de onde nascem, para onde vão.
O pior rio é o da mente
que flui sem margens,
desordenado e com várias águas,
águas desiguais e turvas.
Há rios em mim que nunca supus ter.
Meu pensamento é um rio seco
mas pleno de correnteza e afogamento.
Un uomo guarda il Mondego
Ronaldo Costa Fernandes
Ci sono fiumi che mi bagnano: Bacanga e Anil.
Il mio corpo è pieno di fiumi:
le mie vene sono fiumi vermigli
che sboccano nel mare del mio cuore.
I fiumi confluiscono in me,
mi portano al degrado, deteriorando
l’interno del mio corpo, linfatici e
colmi d’incertezze, in cui dimorano
passato e storia, dolore e oscurità.
Ci sono fiumi in me di cui non conosco
la foce, lo sbocco,
da dove nascono, dove vanno.
Il fiume peggiore è quello della mente
che scorre senza margini,
disordinato e con varie acque,
acque incostanti e torbide.
Ci sono fiumi in me che mai supposi d’avere.
Il mio pensiero è un fiume secco
ma pieno di correnti e annegamenti.
"Nesse poema, o eu lírico não aponta para uma paisagem tempo-espaço habitual, pois, embora a narrativa faça alusão aos rios Bacanga e Anil, ambos situados em São Luís, capital do Maranhão, as imagens dos rios aparecem, apenas, para realizarem uma analogia com o corpo. Tal qual os rios – cuja hidrografia, de longos anos, encontra-se devastada pela poluição dos esgotos que são lançados em suas águas sem tratamento adequado – sente-se o corpo do eu poético, que está “desordenado e com várias águas, águas desiguais e turvas”.
Esse sentimento desalinhado, isto é, fora de ordem, concorre para que o eu lírico constitua-se tão degradado “por dentro, o corpo linfático e cheios de incerteza”, quanto a paisagem fluvial que ele vê: “o homem olha o mondego”. A intimidade desse olhar projeta uma equivalência entre o corporal e o ambiente aquático. Um ambiente aquático que, embora seja “pleno de correnteza e afogamento”, encontra-se tal qual os pensamentos e as sensações da voz poética: “um rio seco” de vida, de esperança e de expectativas..."
Em O UNIVERSO FICCIONAL DE RONALDO COSTA FERNANDES: CORPO, SUJEITO DE PAISAGENS
de Linda Maria de Jesus Bertolino (2022) (v. pdf)