Duas pessoas
perderam a cordura. Mendonça, após o período de renúncia e autoflagelação, saiu
às ruas em busca da peste. Aproximou-se do engenho Margarida, onde a besta
levara com um sopro dezenas de gentios. Andava pelos campos abandonados,
rolava-se na terra, se via algo parecido a um resto de tecido, esfregava o
trapo no corpo. Apareceu na casa anojada de Albino, devastado, procurando pelo
corpo morto da amante. Queria saber onde estava enterrado, morreria vivo no
mesmo túmulo.
O oleiro não quis mostrar onde a
mulher se sepultava porque Azevedo de Mendonça podia causar um desbarato na
terra e profanar o pouco que restava de Antonieta Albino.
Outro insano foi Gualberto, agora o
Enforcado. Pegou o filho nos braços e foi visitar os hospitais. Vieira saía de
um deles quando viu o rapaz inteligente que discutia com ele sobre astros e
filosofia entrar numa casa dos jesuítas transformada em enfermaria de campanha.
O filho de Espanhol pesava como uma criança de colo, tal a magreza só de ossos.
Babava e pronunciava palavras indistintas, divertidas.
Vieira aproximou-se de Gualberto,
acariciou a cabeça curta do pequeno, perguntou o que fazia o homem ali. Não
houve resposta. O padre entendeu a desinteligência do Enforcado. Agarrou-o pelo
braço, levou até a igreja Nossa Senhora da Luz, mandou dar comida e roupa ao
rapaz, banho e cuidados ao adolescente menino. Uma semana depois, Vieira soube
que a Gualberto Espanhol caíra vítima da peste.
(do romance Vieira na ilha do Maranhão. Rio: 7Letras, 2019)