sábado, 9 de fevereiro de 2019

Matadouro de vozes, crítca de Wilson Pereira

Resultado de imagem para klimt

Wilson Pereira


           Ronaldo Costa Fernandes é nome de destaque na literatura de Brasília. Mas é escritor de voos mais altos, com incursões, inclusive, internacionais.  Autor  de seis romances, cinco livros de poesia, dois de ensaio e uma novela, já conquistou importantes prêmios literários, entre os quais se destaca o  importante Casa de las Américas, concedido ao romance O morto solidário, que teve edição em espanhol, em Cuba, e, em português, pela editora brasileira Revan.

            Agora, cumpre-nos saudar o lançamento de um novo livro de poemas do autor, sob o título de Matadouro de Vozes, que vem reafirmar a excelência de sua produção poética.

            A poesia de RCF  distingue-se por uma dicção própria, com traços deveras singulares de uma expressividade surpreendente, que provoca, de imediato, o espanto e o impacto estético no leitor.  Ao buscar aproximar e articular elementos concretos e abstratos, muitos dos quais de significados aparentemente incompatíveis, o poeta constrói  um tecido metafórico com extraordinários efeitos semânticos e poéticos. É o que se nota em versos como os seguintes: "Penduro um século/ na parede do escritório.// As paredes/ transformam tudo em açude" (do poema "Muro das Lamentações" p. 14). Outro exemplo, de desconcertante sugestividade: "Meus pensamentos/ começam a criar escamas/ e salgam as palavras" (do poema "Réquiem do domingo, p. 15).  E ainda este dístico, de súbita sutileza:  "Pobre daquele que se imagina incólume,/ perdido em seu casaco de êxtase" (do poema "Quarto de despejo, p. 40).

            Essa estranha e insistente tessitura metafórica pode causar, à primeira vista, a impressão de uma poesia sofisticada, de difícil  fruição e entendimento. No entanto, o propósito do autor é o de provocar, ainda que pelo estranhamento,  a decifração de sentidos imprecisos e imersos na linguagem poética. E a poesia, como outras obras de arte,  procura criar sua carga expressiva  fugindo ao convencional. Nesse sentido, a poesia de RCF estabelece uma sintonia fina com a sensibilidade aguçada e inteligente do leitor.

            Segundo Ezra Pound (em ABC da Literatura), "literatura é linguagem carregada de significados. E boa literatura é linguagem carregada de significados ao máximo grau".  O poeta RCF tem consciência de sua arte e, por isso,  procura criar uma poesia de configuração inovadora, sem ser, no entanto, extravagante ou árida. Assim, seus poemas, ao invés de se fecharem num hermetismo insípido, estampam-se num malha metafórica que possibilita múltiplas e inusitadas leituras.

            Apesar do teor de poeticidade cifrada e incomum,  os poemas de Matadouro de Vozes estão permeados de implicações semânticas que remetem à uma postura do homem diante do outro e das coisas, de um modo ver e de viver, de ser e estar no mundo.  A esse propósito, vejamos o poema:

Esquinas e dobradiças (p, 34)


Somos sempre hóspedes.
A vida é uma hospedagem.
A poeira ruiva cobre os móveis,
as dobradiças são esquinas aprisionadas
na porta do transitório. 


Aliás, o poeta expressa sua angústia no poema "Remédio do Mundo" (p. 22), do qual copiamos apenas a última e



"Mesmo sabendo/ que o remédio/ não remedia/ a dor de estar no mundo."      


            Mesmo num poema como "Elevadores" (p. 20), cujo título pode pressupor a descrição do instrumento de transporte de edíficios, ou considerações acerca de sua função, o poeta extrai ilações diversas, desde a ironia à insinuação metafísica, que se pode abstrair dos últimos versos:


Elevadores



É um estômago de ferro
que devora e vomita
todos na barriga da baleia
em sua viagem vertical.
 
Em que andar descerei
quando chegar a minha hora?
No térreo das poucas ideias?
Na planta baixa
da arquitetura do marasmo?
 
Ou arranharei os céus
com a hipótese das ascensões?

            A metáfora é a figura de linguagem que rege a poesia. E RCF é pródigo na criação delas. Vejamos alguns exemplos:

"Encontraremos o clarinete dos uivos/ antes de aborrecer as paredes."

"Cai uma chuva/  de pingos que exclamam/e chaves de interrogação/que não encontram/ a resposta das portas. (do poema "Flauta", p.  17)

"Tenho o temperamento das especiarias/ Cravo os dentes na manhã." (do poema "As Janelas, p. 37)

"De todos os sabores,/o mais forte é a lembrança. (do poema  "Diálogo das Asperezas, p. 16)

"E a retina recolhe o lixo de luz dos espelhos. " (do poema "As janelas, p. 37)

"Uma árvore delgada/ espicha seu pescoço/ para ver/ além da cerca da imaginação." (do poema "O inglorioso das horas", p. 36)


Ou arranharei os céus

com a hipótese das ascensões?

            A metáfora é a figura de linguagem que rege a poesia. E RCF é pródigo na criação delas. Vejamos alguns exemplos:

"Encontraremos o clarinete dos uivos/ antes de aborrecer as paredes."

"Cai uma chuva/  de pingos que exclamam/e chaves de interrogação/que não encontram/ a resposta das portas. (do poema "Flauta", p.  17)

"Tenho o temperamento das especiarias/ Cravo os dentes na manhã." (do poema "As Janelas, p. 37)

"De todos os sabores,/o mais forte é a lembrança. (do poema  "Diálogo das Asperezas, p. 16)

"E a retina recolhe o lixo de luz dos espelhos. " (do poema "As janelas, p. 37)

"Uma árvore delgada/ espicha seu pescoço/ para ver/ além da cerca da imaginação." (do poema "O inglorioso das horas", p. 36)

            Enfim, o poeta não é  arauto de dogmas e de verdades, nem provedor de certezas. Antes, é  semeador de dúvidas,  criador de irrealidades,  de miragens e de oásis no deserto dos silêncios.  É com essa perspectiva que se deve ler os poemas de Matadouro de Vozes, desse ousado  e criativo poeta, que é Ronaldo Costa Fernandes.

* Wilson Pereira é poeta, constista, cronista, ensaísta e autor de livros Infanto-juvenis.



























Nenhum comentário:

Postar um comentário