domingo, 23 de dezembro de 2012

Lêdo Ivo morre na Espanha


O escritor e jornalista alagoano Ledo Ivo, que morreu na Espanha Foto: Marcelo Carnaval / Agência O Globo - 21/07/1998
Lêdo Ivo
 RIO - Aos 88 anos, morreu o escritor alagoano Lêdo Ivo neste domingo. Segundo informações da Globo News, o jornalista passou mal durante um almoço em um restaurante em Sevilha, na Espanha. Ele chegou a receber atendimento médico, mas faleceu antes de chegar ao hospital. A causa da morte ainda não foi divulgada.
A família vai cremar o corpo na Espanha, onde ele passaria o Natal, e trazer as cinzas para o Brasil.
Lêdo Ivo foi o quinto ocupante da Cadeira nº 10 da Academia Brasileira de Letras. Ele foi eleito em 13 de novembro 1986, na sucessão de Orígenes Lessa.
Sua estreia na literatura se deu em 1944, com a poesia "As imaginações". No ano seguinte, publicou o premiado "Ode e Elegia". Muitos de seus livros de poesia, romance, conto, crônica e ensaio foram traduzidos e publicados em diversos idiomas, como italiano, dinamarquês, espanhol e inglês. Seu último título publicado foi a antologia "O vento do mar", em 2010.
Entre suas obras mais populares estão "A cidade e os dias", "Curral de peixe", "Plenilúnio" e o infantil "A história da tartaruga".
O escritor nasceu no dia 18 de fevereiro de 1924, em Maceió, Alagoas, filho de Floriano Ivo e Eurídice Plácido de Araújo Ivo. Casado com Maria Lêda Sarmento de Medeiros Ivo, ele deixa três filhos: Patrícia, Maria da Graça e Gonçalo.


(fonte: O Globo

sábado, 8 de dezembro de 2012

Guimarães Rosa revisitado


 

                                                Adelto Gonçalves (*)

                                                           I

            Ainda que não tenha sido comemorado com a efusão que merecia, o centenário de nascimento de João Guimarães Rosa (1908-1967), em 2008, ano que marcou também o centenário do falecimento de Machado de Assis (1839-1908), ao menos serviu para a publicação de importantes estudos críticos-literários sobre a obra do autor. E o melhor exemplo disso é o livro A poética migrante de Guimarães Rosa (Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008), de Marli Fantini (organizadora), doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora de Guimarães Rosa: fronteiras, margens, passagens (São Paulo, Senac/Ateliê Editorial, 2004), que obteve o  Prêmio Jabuti de 2005.

            Não se pode dizer que a obra rosiana não tenha sido estudada em profundidade, até porque há estimativa que supõe a existência de mais de 1.500 trabalhos sobre o romance Grande sertão: veredas. Até porque, como diz Marli Fantini na apresentação, baseada nas observações de Italo Calvino (1923-1985), trata-se de uma obra considerada clássica, que por isso mesmo está destinada a provocar “incessantemente uma nuvem de discursos sobre si”.

            Mas Guimarães Rosa não é só Grande sertão: veredas – e, se o fosse, já seria muito. Pelo contrário, na obra do escritor mineiro há uma série de textos que também estão condenados a cada geração a receber novas e distintas formas de recepção.

                                                           II

            Um estudo que se destaca nesta reunião de 20 ensaios e artigos, dividida em nove partes, sobre a temática rosiana é “Alegoria e política no sertão rosiano”, de Maria Célia Leonel e José Antonio Segatto, professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autores de “Política e violência no Grande sertão de Guimarães Rosa”, ensaio publicado na revista Estudos Sociedade e Agricultura  (Rio de Janeiro, Mauad/UFRJ, v. 13, nº 1, pp.75-93, abril de 2005).

            Segundo o estudo de Maria Célia e Segatto, Guimarães Rosa teria um projeto literário, quiçá político-ideológico, como pressuposto na elaboração de Grande sertão: veredas, que permite que a obra seja lida não só como recriação do passado, ou seja, a vida no Brasil profundo nas décadas de 1920 a 1930, como iluminador do presente, já que o mandonismo daquela época ainda hoje está presente em várias regiões brasileiras marcadas pela grande propriedade latifundiária, embora hoje o protótipo do latifundiário tenha sido substituído por grandes empresas agrícolas, pelo patriarcalismo, pelo clientelismo, pela violência, pela ausência de Estado e justiça, o que se verifica inclusive no Estado de São Paulo, pretenso exemplo de modernidade.

            Nesse sentido, os autores contestam estudiosos que, atribuindo a Guimarães Rosa uma qualidade de ensaísta que ele nunca buscou, definiram Grande sertão: veredas como um retrato da vida rural naquela época, observando que o autor, por sua inventividade, aponta tendências que viriam a ganhar cristalização mais nítida na realidade do País pós-1930.                                                                                                                                                                                                                                           III

            Outro texto de grande valia para os estudos rosianos – e de outro grande especialista na área – é “Patriarcalismo e dionisismo no santuário do Buriti Bom”, de Luiz Roncari, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor de O Brasil de Rosa: mito e história no universo rosiano: o amor e o poder (São Paulo, Unesp/Fapesp, 2004). Como observa Marli Fantini, o trabalho de Roncari procura as chaves para o entrelaçamento da história com o mito. O ensaio – cujo título forma um oxímoro – é uma condensação de extenso trabalho de Roncari sobre a novela “Buriti”, que faz parte do livro Corpo de baile, de Guimarães Rosa.

            Em O Brasil de Rosa, o autor já havia procurado mostrar como Guimarães Rosa usara modelos que Oliveira Vianna (1883-1951) utilizara para representar a vida política brasileira na segunda metade do século XIX e também na Primeira República (1889-1930). Assim, Guimarães Rosa teria entranhado em personagens como Zé Bebelo, um Rui Barbosa (1849-1923), em Hermógenes e Ricardão, um Hermes da Fonseca (1855-1923) e um Pinheiro Machado (1851-1915), respectivamente, e em Joca Ramiro, o Barão do Rio Branco (1845-1912).

            Para Roncari, a novela “Buriti” também teria sido construída a partir de modelos vivos. Assim, toda a primeira parte da novela é composta praticamente pelas lembranças de Miguel, que compartilham as informações e versões que Guimarães Rosa recebera de nhô Gualberto Gaspar, um fazendeiro, sobre o Buritim Bom e pessoas do lugar com quais ele pôde conviver.

                                                           IV

            Como curiosidade histórica pode-se apontar a nona parte do livro que traz o ensaio “Memória da leitura e rememoração da viagem: cartas de João Guimarães Rosa para Aracy de Carvalho Guimarães Rosa”, elaborado por Elza Miné e Neuma Cavalcante a partir da correspondência (inédita) trocada pelo autor no período de 1938 a 1960 com aquela que seria sua segunda esposa.

            Esse arquivo que compreende 107 cartas, 44 cartões-postais, bilhetes e telegramas foi passado pela família de Aracy de Carvalho (1908-2011) às pesquisadoras, que estão para publicar uma biografia dessa poliglota que prestou trabalho ao Ministério das Relações Exteriores e teve  o seu nome inscrito no memorial Yad Vashem (Museu do Holocausto), em Jerusalém, por ter ajudado muitos judeus a entrarem ilegalmente no Brasil ao tempo do governo Getúlio Vargas, livrando-os da prisão e da morte sob as botas do nazismo. A essa época, ela era chefe da seção de passaportes do consulado brasileiro em Hamburgo. Guimarães Rosa, como cônsul adjunto, sabia das manobras arriscadas que Aracy fazia para ajudar os judeus e nunca se opôs. Pelo contrário.

            Se para o leitor comum esse tipo de correspondência pode parecer curiosidade histórica, para os especialistas, por certo, é uma oportunidade rara, pois revela, mais que a obra completa do autor, a sua individualidade, seus gostos e paixões. De passagem, fica-se sabendo que Ara, como o marido a chamava, acompanhou muito de perto tanto a escritura de Grande sertão: veredas como de Sagarana, inclusive, com sugestões e correções.

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A POÉTICA MIGRANTE DE GUIMARÃES ROSA, de Marli Fantini (organizadora). Belo Horizonte: Editora UFMG,  448 págs., 2008, R$ 45,00. E-mail:editora@ufmg.br Site: www.editora.ufmg.br

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Entre Viana e Viena, de Lourival Serejo

CENTO E UMA NOITES





           Os livros de crônica sofrem o perigo de desatualização. Por ser sua característica basearem-se nos fatos cotidianos, muitas crônicas falecem do que vivem: a matéria datada. Os livros de crônica que sobrevivem a essa insidiosa barreira o fazem utilizando-se do recurso do estilo.

Este é o caso do volume Entre Viana e Viena, 100 crônicas escolhidas (Ed. Universitária UFPB, 2012), do escritor Lourival Serejo. Seu estilo é sereno, elegante e bem cuidado. O objeto da crônica apresenta-se bem urdido. E seu desenvolvimento adequado transforma o livro de Serejo numa deliciosa 100 e uma noites da crônica maranhense.  E, observem, que o Maranhão ofertou no passado e brinda-nos no presente cronistas do mais alto nível como Jomar Moraes, Joaquim Itapary, Ceres Costa Fernandes, José Ewerton Neto, Ubiratan Teixeira, José Chagas, Nauro Machado e muitos outros que o espaço não me permite alongar.

As crônicas foram publicadas no jornal O progresso, de Imperatriz ou no “espaço da Academia Imperatrizense de Letras”. O restante em O Estado do Maranhão e em O renascer vianense, da Academia de Letras de Viana. Algumas são inéditas.

Com sua simplicidade de análise, com a calma própria de quem chegará ao âmago de seu tema, Serejo oferece aos leitores uma escrita envolvente, aliciadora, uma conversa ao pé do ouvido. De estilo claro, a crônica de Lourival Serejo, desembargador e membro da Academia Maranhense de Letras, passeia por vários temas. Vai desde Nietzsche, Chatô, os personagens de Natal, Borges e seus espelhos até a atualidade de Aluísio Azevedo, o belo e sentido elogio a Raimundo Rodrigues Bogéa e tantas outras figuras e temas da vida maranhense, nacional e internacional

O leitor, a este ponto, deve se perguntar onde estará a centésima primeira crônica de um livro que já traz em seu título o número de textos. E lhes responderei: vale a introdução como a crônica faltante e o círculo se fecha tal qual nas arábicas Mil e uma noites.
Eis um livro para degustar como as porções diminutas que multiplicam e estimulam o apetite da leitura.






 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Uma descida ao inferno da loucura


 
                                                                                       Adelto Gonçalves (*)

                                                           I

            Se como diz a filosofia popular, de médico e louco todos têm um pouco, a um médico louco não há o que acrescentar. Foi a esse personagem insólito que o médico e neurocientista Edson Amâncio recorreu para empreender a sua terceira incursão no romance com Diário de um Médico Louco (Taubaté, LetraSelvagem, 2012). Com um tanto de autobiográfico – que fica claro quando se sabe que o autor realizou nos anos 80 uma viagem a São Petersburgo e Moscou, ainda à época do comunismo –, este relato é um diálogo que Amâncio faz não com a literatura médica a que teve acesso como profissional da área de Saúde, mas com autores que marcaram a sua vida de ficcionista, especialmente Fiodor Dostoievski (1821-1881), a quem estudou em profundidade, até porque atraído pelas ligações que pode haver entre genialidade e esquizofrenia ou até mesmo com o desequilíbrio mental.

            Não por acaso Amâncio recupera neste livro a São Petersburgo que conheceu – ao tempo, chamada de Leningrado –, com o seu Hermitage, o famoso museu, a Fortaleza de São Pedro e São Paulo – onde Dostoievski permaneceu antes de ser encaminhado para o exílio na Sibéria – e, principalmente, o Museu Literário-Memorial dedicado ao autor russo que fica no mesmo apartamento da rua Kuznechny 5/2, onde ele morou, aberto em novembro de 1971, por ocasião do 150º aniversário do nascimento do escritor.

                                                        II

            O relato começa com um clichê da literatura. No caso, é um médico escritor que nada tem de louco que tem acesso a um texto de outrem, que seria outro médico às voltas com distúrbios mentais, um tal Dr.B*. Pelo que se lê da apresentação escrita por esse médico sensato, o tal Dr. B* seria um médico um tanto inconsequente, dado a prazeres etílicos, gastão, acossado por credores e capaz de tomar atitudes tresloucadas.  Por acaso, nos anos 70 e 80, no círculo de médicos contemporâneos do autor na cidade de Santos, havia um médico que pouco fugia desse figurino: um anestesista considerado de mão cheia, mas que, ao final das tardes de domingo, invariavelmente, saía da praia carregado em triunfo, depois de dissipações capazes de fazer corar Baco.

            Resultado de uma mente conturbada, este irregular relato não tem um fio condutor, como reconhece o médico sensato na apresentação, a quem o colega desvairado passou a tarefa de encontrar meios de torná-lo público depois de sua morte. Se não se trata de uma memória de além-túmulo, à semelhança ao Brás Cubas de Machado de Assis (1839-1908), o manuscrito teria sido localizado num baú por familiares do médico tresloucado e traria um apelo do autor ao médico sensato seu amigo para que o publicasse de alguma forma.

            Depois de contar suas primeiras decepções com a medicina, ainda ao tempo de acadêmico na cidade de Santos, o médico relata uma série de acontecimentos insólitos no melhor estilo machadiano em que procura mostrar que os loucos estão na sociedade enquanto os de mente sã estariam nos asilos e manicômios – ou seja, um mundo de sinais invertidos. Em meio ao relato, o médico louco surpreende o leitor com os acontecimentos da viagem que fizera a Rússia, contando em detalhes pequenos incidentes como o hábito que os hotéis moscovitas preservam até hoje de permitir que, de madrugada, vozes femininas langorosas liguem para o quarto do hóspede oferecendo serviços íntimos, esteja o cliente acompanhado ou não da esposa.

            Mais que isso, ler este relato é uma oportunidade de conhecer um pouco de Dostoievski, sobre cuja obra o autor mesmo – não o médico louco – é especialista. Assim, desfilam aos olhos do leitor pormenores do outro museu dedicado a Dostoievski, que fica ao Norte de Moscou, montado na casa onde o romancista passou a sua infância, perto do hospital em que seu pai trabalhava.

                                                           III

            O mundo vivido pelo médico louco de Amâncio é o mundo do pesadelo e do bode expiatório, de cativeiro, dor e confusão, como diria o crítico canadense Northrop Frye (1912-1992). Ou ainda: o mundo do trabalho pervertido ou desolado, de ruínas e de catacumbas, instrumentos de tortura e monumentos à insensatez, que, por sinal, são encontrados no mundo ficcional de Dostoievski. Seja como for, depois da descida ao inferno dostoievskiano, o protagonista do relato retorna à cidade de Santos como a um mundo que morre, tal qual o salmão idoso retorna ao local de sua procriação, para se continuar aqui a citar Frye.

            Como observa o poeta e crítico Ademir Demarchi, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e editor da Revista Babel, autor do texto de apresentação, o livro tenta transmitir uma “verdade”, um relato de algo que existiu, mas que, para o leitor, o tempo todo vai se colocando, de fato, como seguidos falseamentos. “A dúvida, assim, perpassa a leitura, afinal em nada se pode compactuar com o narrador, pois as viagens que relata, uma delas à Rússia de Dostoievski, podem ser totalmente falsas, uma vez que fantasias, delírios de um louco que não saiu do entorno de seu quarto, para mencionar Maistre”, diz.

 

                                                           IV

            Nascido em Sacramento-MG em 1948, Edson Amâncio é médico neurologista estabelecido em Santos  há mais de 30 anos. Graduado, mestre e doutor em Medicina, integra o corpo clínico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Sua     estréia literária deu-se com os contos de Em pleno delito (1986), vindo a seguir Cruz das almas (1988), romance, Pergunte ao mineiro (1995), crônicas, e Minha cara impune (1997), romance.

            Em 2006, publicou O homem que fazia chover e outras histórias inventadas pela mente, obra que chamou a atenção da crítica e do público por discorrer sobre as ligações ainda obscuras entre distúrbios psíquicos e genialidade. Nesse livro, o autor comenta casos clínicos bizarros de pacientes comuns e de mentes consideradas geniais como John Nash, Mozart, Machado de Assis, Van Gogh, Flaubert, Virgínia Wolf e Bill Gates.

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DIÁRIO DE UM MÉDICO LOUCO, de Edson Amâncio. Taubaté: Editora LetraSelvagem, 152 págs., 2012, R$ 30,00. E-mail: letraselvagem@letraselvagem.com.br Site: letraselvagem.com.br

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Franchetti: o poeta e suas influências


"Le mal du pays", 1940, Magritte
                                            

                           

                                                                      Adelto Gonçalves (*)

                                                                              I

 

                Professor titular de Literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor de estudos críticos sobre a poesia brasileira, o romance oitocentista em português e o exotismo, com destaque para os ensaios sobre Camilo Pessanha (1867-1926), Paulo Franchetti vem construindo também, ao longo dos últimos anos, uma trajetória poética de respeito, marcada por uma cosmovisão que se tem mantido coerente, baseada na cultura clássica, mas saudavelmente contaminada pelo bom gosto de alguns nomes representativos da poesia brasileira do século XX.
            Além dos livros de estudos literários, Franchetti já publicou três livros de poesia, Oeste/Nishi (Cotia, Ateliê, 2008), Escarnho (Cotia, Ateliê, 2009) e Memória Futura (Cotia, Ateliê, 2010), lista a que se acrescenta agora Deste Lugar, reunião de versos que marcam a chegada do poeta à maturidade do seu fazer poético.
            Se em Escarnho, Franchetti paga um tributo a Gregório de Matos (1636-1696?), Tomás Pinto Brandão (1664-1743) e outros poetas fesceninos, satíricos e chocarreiros e ao Barroco, em Deste Lugar não se pode deixar de sentir a presença tutelar de Manuel Bandeira (1886-1968) e Camilo Pessanha, poetas que como crítico estudou exaustivamente. De fato, um tópico recorrente em sua poesia é o verso bandeiriano de “Pneumotórox” – a vida inteira que podia ter sido e que não foi – que se pode ler em “O cheiro das mangas na fruteira”, à página 61:
                                   (...) a vida que poderia ter sido
                                   é a vida que por um momento foi.
            Neste poema, o poeta parece rememorar noites feéricas que passou em Barcelona e que o diabo, agora no meio de uma noite úmida, traz de volta, balançando “o obscuro passado nas costas do futuro impossível”. Neste livro, aqueles versos de Bandeira – que hoje constituem quase um aforismo – aparecem explicitamente também em mais um poema, ainda que disfarçadamente possam ser localizados em outros. Às páginas 109 e 110, no poema “Minhas filhas me olham”, esse sentimento fica mais à prova quando o poeta, ao contemplar uma fotografia, evoca a família que não se formou porque desfeita por qualquer contratempo da vida:
                                   (...) nossos olhos
                                   têm a mesma compleição:
                                   somos inegavelmente o pai
                                   e suas filhas.
                                   E ali sorrimos, e o esboço
                                   da família que não fomos brilha
                                   mais intenso.
                                   (...) Olho ainda uma vez.
                                   E outras vezes olharei.
                                   O que não pude ter
                                   e o que perdi.
            Essa evocação bandeiriana ainda se percebe em “Outra noite solitária”, à página 59, onde se lê:
                                   (...) O que tenho, o que não tive,
                                   o que passou por mim
                                   e me arrastou.

                                                          

                                                           II

         Também é possível fixar na poesia da maturidade de Franchetti as imagens evanescentes, a exteriorização da melancolia associada à luz moribunda que são comuns na poesia de Camilo Pessanha que o próprio poeta enquanto crítico apontou em O essencial sobre Camilo Pessanha (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008), às páginas 73 e 74. Diz o crítico a respeito de Pessanha que o que determina o seu “olhar melancólico é a reflexividade”, explicando que “tudo o que o sujeito consegue perceber é a si mesmo, tudo o que consegue fazer é duplicar, exteriorizar a melancolia, reencontrar, nos vários fragmentos que ludicamente reordena, o seu próprio olhar”.  Curiosamente, o que o crítico diz a propósito do poeta que analisa é o que também pode servir para definir a sua poesia.
            De fato, em Pessanha a luz fraca, que se apaga, que parece refletir uma “alma lânguida e inerme”, como se lê no poema “Inscrição”, à página 159 de Clepsidra (Lisboa, Seara Nova, 1979), está associada à sensação de melancolia, de nostalgia e de perda e ao crepúsculo e até ao fim da vida. É o que se percebe no poema de Franchetti à página 55, onde se lê:
                                   Todos entramos na morte
                                   por onde a luz é mais fraca e o capacho
                                   está puído e fora do lugar.
         A melancolia é reforçada pela presença de verbos que reforçam a ideia de descenso, de queda, da falta de luz, de solidão. E esta é uma das atmosferas líricas fundamentais na poesia de Franchetti, de que o poema “Assim diria: nós”, à página 100, é um bom exemplo:
                                   Mas em algum lugar
                                   onde a noite é mais escura
                                   e o rio decorre
                                   como a vida aqui decorre,
                                   vejo: o rosto, os cabelos finos, os olhos.
                                   Enquanto dirijo, penso
                                   quanto seria bom,
                                   em cada novo momento,
                                  dizer: nós.
         A aproximação com Pessanha dá-se explicitamente no poema “Macau”, à página 90, quando se sabe que, para desvendar algumas passagens obscuras da vida do poeta, o crítico Franchetti esteve na antiga possessão portuguesa na China, conhecendo os lugares que fizeram parte da vida de auto-exílio do poeta. De lá trouxe estas impressões que se lêem à página 90:
                                   Os chineses fazem pontes curvas.
                                   Os espíritos não passam, seguem em linhas retas.
                                   As noites longas e quentes, no jardim
                                   de Camões, os pássaros da madrugada,
                                   a barraca de macarrão,
                                   cheia de crianças de azul (...).
            Por estas amostras, vê-se que a poesia de Franchetti, a exemplo da de Pessanha, é baseada mais em imagens. Trata-se de um poeta abstrato, essencialmente intelectual, além de douto. Por isso, prefere insinuar ideias e sentimentos em vez de formulá-las, o que também denuncia certa influência de Matsuo Bashô (1644-1694), poeta japonês que é considerado o mestre do haicai. Não por acaso Franchetti é o organizador da antologia Haikai (Campinas, Editora Unicamp, 1990). A Bashô presta homenagem à página 64:
                                   A chuva na folhagem.
                                   Bashô dizia:
                                   sem a visão própria
                                   não há fora nem dentro          . (...).
            E, por extensão, a homenagem vai também para Wenceslau de Moraes (1854-1929), poeta português que viveu muitos anos no Japão e aplicou-se à tradução de haicais, fenômeno literário que o crítico Franchetti analisou num ensaio dedicado ao próprio poeta e que faz parte de Estudos de Literatura Brasileira e Portuguesa (Cotia, Ateliê, 2007).

                                                           III

            Diretor-presidente da Editora Unicamp, Franchetti é autor também de Alguns Aspectos da Teoria da Poesia Concreta (Campinas, Editora Unicamp, 1989), de Nostalgia, Exílio e Melancolia – Leituras de Camilo Pessanha (São Paulo, Edusp, 2001), das edições comentadas de Primo Basílio (1998) e Iracema (2007), ambos publicados pela Ateliê, da edição crítica de Clepsydra, de Camilo Pessanha (Lisboa, Relógio D´Água, 1995), da antologia  As aves que Aqui Gorjeiam – a Poesia do Romantismo ao Simbolismo (Lisboa, Cotovia, 2005) e da novela O Sangue dos Dias Transparentes (Cotia, Ateliê, 2003).

 

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DESTE LUGAR, de Paulo Franchetti. Cotia: Ateliê Editorial, 112 págs., 2012, R$ 27,00. Site: www.atelie.com.br E-mail: contato@atelie.com.br

 

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: marilizadelto@uol.com.br

domingo, 30 de setembro de 2012

Autran Dourado morre aos 86 anos



O romancista mineiro Autran Dourado, que morreu hoje aos 86 anos de idade, era um homem culto, leitor de clássicos, tinha uma bela formação humanística. Lembro-me de uma conversa dele com Silviano Santiago, num desses programas que, infelizmente, dão traço de audiência, em que ouvi uma categorização de romancistas que me encantou e seduziu. Autran dividia seus companheiros da arte romanesca em gigantes, artesãos e gênios. Instado por Silviano, exemplificou, lapidarmente: Balzac era o gigante, Flaubert, o artesão, e Cervantes era o gênio. Nova provocação do interlocutor: e Machado de Assis? A resposta de Autran veio na lata, sem qualquer titubeio: gênio na Literatura Brasileira, artesão, em termos da escrita mundial.  A resposta do mineiro que nos deixou neste último dia de setembro de 2012 veio com enorme segurança, ornada pela simplicidade que é própria dos que dominam sobejamente o seu ofício. Afinal, não se ganha o Prêmio Camões impunemente. Muito menos o Machado de Assis, que a ABL confere anualmente pelo conjunto da obra, uma espécie de Nobel tupiniquim.
(FABIO COUTINHO)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Feria Internacional del Libro de Guadalajara, 500 autores

El próximo sábado 24 de noviembre comenzará la Feria Internacional del Libro (FIL) de Guadalajara, uno de los eventos literarios más importantes del mundo. Desde ese día y hasta el domingo 2 de diciembre, unos quinientos escritores de veintiocho países participarán de las diversas actividades programadas.
FIL 2012La edición 2012 de la FIL tendrá a Chile como nación invitada. Un centenar de autores, músicos, pintores y artistas en general formarán parte de la delegación, que tendrá a Jorge Edwards como máximo referente.
Una exhibición que mostrará la colección de caracoles del poeta Pablo Neruda, homenajes a Roberto Bolaño, Nicanor Parra y el propio Neruda, la exposición de ejemplares históricos de “Condorito” y un concierto de Los Jaivas formarán parte de las actividades chilenas en Guadalajara, informa El Espectador.
El peruano Alfredo Bryce Echenique, por su parte, tendrá el honor de recibir el Premio FIL en Lenguas Romances. El desarrollo de la Cátedra Mario Vargas Llosa (impulsada por el Instituto Cervantes de España), un tributo a Carlos Fuentes (con la participación del director de cine Alejandro González Iñárritu, el pintor Vicente Rojo y el ex presidente de Chile, Ricardo Lagos, entre otras personalidades) y la investidura de Víctor García de la Concha como doctor honoris causa por la Universidad de Guadalajara serán otras de las actividades relevantes.
El listado de escritores reconocidos que se sumarán a la FIL 2012 es impresionante: a los ya mencionados, hay que agregar a los españoles Fernando Savater y Juan José Millás; los estadounidenses Jon Lee Anderson y Jonathan Franzen; el argentino Eduardo Sacheri; el serbio Goran Petrovic; la colombiana Laura Restrepo; y los mexicanos Margo Glantz y Jorge Volpi, entre muchos otros nombres mencionados por medios como El Informador.
La directora de la FIL, Nubia Macías, destacó que América Latina está “viva” y agregó que es hora que “nos leamos a nosotros mismos”, según recoge Excélsior. Medio millar de autores dirán presente en México para impulsar dicha misión.

(fuente: poemas del alma)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Rui e Machado por Fabio Coutinho


Rui Barbosa

 Uma das mais belas peças de retórica da Literatura Brasileira é a oração de adeus de Rui Barbosa a Machado de Assis. Muita gente boa acha que vem a ser o melhor discurso de despedida jamais pronunciado em nosso país. Ora, direis, ouvir estrelas: era Rui exaltando Machado, ou seja, o notável advogado homenageando a memória do maior escritor do Brasil.
          Mas o que disse Rui Barbosa naquela triste manhã de 30 de setembro de 1908, no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro ? Inicialmente, o registro da designação da Academia Brasileira de Letras para trazer ao amigo o "coração de companheiros". A partir daí, uma sucessão de reflexões sobre a existência e a obra de Machado de Assis, ressalvando, porém, que sua vontade era falar "senão do seu coração e da sua alma."

Com efeito, Rui assinala que o grande morto "não é o clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras; não é o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro do verso, o exemplar sem rival entre os contemporâneos da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom".
            E prossegue na tocante reverência a Machado, fixando-o como "modelo de pureza e correção, temperança e doçura; na família, que a unidade e devoção do seu amor converteu em santuário; na carreira pública, onde se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Sousa, e cantava como Luís de Camões; na convivência dos seus colegas, dos seus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza. Era sua alma um vaso de amenidade e melancolia."

Perto de concluir o adeus a Machado de Assis, Rui Barbosa a ele se dirige, vendo-o a caminho da outra parte da eternidade: "Mestre e companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima."
             A oratória acadêmica de Rui engloba algumas outras pérolas, como a célebre Oração aos Moços (discurso na Faculdade de Direito de São Paulo, na condição de paraninfo dos bacharelandos de 1920) e o Elogio de Castro Alves, por ocasião da celebração dos dez anos da morte do Poeta dos Escravos, em 1881. São passagens extraordinárias da vida nacional, verdadeiros marcos de nossa civilização tropical. Nada, porém, como o Adeus a Machado de Assis, um daqueles raros momentos da História em que ela é escrita ao mesmo tempo por quem parte e por quem fica, ambos contemporâneos do futuro.

A propósito de Rui Barbosa, vale sempre lembrar que 5 de novembro, data de seu natalício, é o Dia Nacional da Cultura. Sobre Machado de Assis, creio tratar-se da própria personificação daquilo que ele expressou no poema Versos a Corina, da primeira edição (1860) de seu livro Crisálidas: "Esta a glória que fica, eleva, honra e consola".
 
 

FABIO DE SOUSA COUTINHO, advogado e bibliófilo, é autor de biografias de Alfredo Pujol (2010) e Lafayette Rodrigues Pereira (2011), editadas pela Academia Brasileira de Letras.

 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Bicentenário de João Francisco Lisboa

 
                Durante a feitura dos Apontamentos para a História do Maranhão, João Francisco Lisboa talvez não tenha se dado conta de que ele mesmo estava escrevendo uma das grandes páginas da História do estado que o viu nascer em 1812, em Pirapemas, pertencente à jurisdição de Itapecuru-Mirim, hoje Coroatá. Naquela metade do século XIX, alguns dos mais notáveis protagonistas da cultura brasileira tiveram sua vida imbricada à de outros grandes vultos da época.

                Dessa maneira, João Lisboa foi aluno de Sotero dos Reis, em São Luís, amigo e biógrafo de Odorico Mendes (tradutor da Odisseia, de Homero), e, na capital de Portugal, substitui o poeta e amigo Gonçalves Dias na missão de recolher, mandar copiar por amanuenses e enviar pela delegação brasileira em Lisboa documentos fundamentais da nossa História.

                Os contemporâneos de João Lisboa já registravam o estilo vigoroso, arrebatador, não desprezando a verve irônica, nem o comentário ferino feito sob uma escritura ora divertida, ora metamorfoseada em matizes desconcertantes e inesperados. Não cabe, contudo, no que concerne ao estilo vibrante de João Lisboa, a acusação de certo artificialismo ou de arcaísmo. Longe está o autor de A vida do padre Antonio Vieira de apontar para uma escritura que não esteja na moldura de sua contemporaneidade e eivada de vigor e estilo aliciante, entre o jornalismo, o registro histórico, o tom romanesco em diversas passagens e uma construção frasal que enleva e seduz o leitor.

                José Veríssimo (entre tantos outros como Sílvio Romero, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves Dias e até mesmo o modernista Ronald de Carvalho) apontou em relação à produção de João Lisboa: “É uma obra [Jornal de Timon] que tem merecido os maiores elogios dos mais abalizados críticos nacionais e estrangeiros. Por muitos aspectos é porventura ele o mais poderoso escritor brasileiro”.

                Alguns críticos mais modernos acusam em João Lisboa a ausência de uma análise que não inclui o aspecto econômico. Acreditamos que seria exigir que o materialismo dialético tivesse chegado até nós quando seu próprio teórico ainda estava em permanente (e dialética) transformação de sua teoria (v. Hobsbawm). Visto no contexto de sua época, autodidata, advogado com banca estabelecida em São Luís sem ter cursado a faculdade de Direito, João Lisboa é um desses fenômenos de gênio e autossuperação numa província e num tempo em que o Maranhão ainda não estabelecera nenhuma faculdade.

                Polemista nato, renegou a política sobre a qual tanto escrevera e também a exercera em seu princípio de idade madura. Contudo sua maior polêmica se deu após sua morte. Discordara de Varnhagem, a quem recorrera para ocupar o lugar de Gonçalves Dias, em Lisboa, como pesquisador dos documentos brasileiros em Portugal. E dele recebera o apoio fundamental junto ao Imperador. Antes de morrer, contudo, escreve contra o mestre, discrepando dele quanto à participação do índio na formação da nossa nacionalidade. Mesmo depois da morte, a controvérsia continuou, com a resposta incisiva de Varnhagem e a defesa de João Lisboa feita por seus amigos como, entre outros, Antônio Henriques Leal.

                Curiosamente, desde que passou a se chamar Praça João Lisboa, em volta de sua estátua, inaugurada em 1918, na capital São Luís, todas as noites, durantes várias décadas, reuniam-se os maiores intelectuais, políticos e jovens promissores para conversar, debater ideias, criar periódicos, acertar edições e outros assuntos de real importância para a vida cultural e política do estado do Maranhão. Tudo sob a égide da plácida e imóvel presença em bronze do jornalista, escritor, polemista, político e historiador João Francisco Lisboa que, após duzentos anos de seu nascimento, continua vivo na memória e cultura brasileiras. (RCF)