Rui Barbosa |
Com efeito, Rui assinala que o grande morto "não é o
clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras; não é
o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro do verso, o
exemplar sem rival entre os contemporâneos da elegância e da graça, do aticismo
e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da
arte, sem deixar de ser bom".
E prossegue na tocante reverência a Machado, fixando-o
como "modelo de pureza e correção, temperança e doçura; na família, que a
unidade e devoção do seu amor converteu em santuário; na carreira pública, onde
se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em
que prosava como Luís de Sousa, e cantava como Luís de Camões; na convivência
dos seus colegas, dos seus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato,
da tolerância, da gentileza. Era sua alma um vaso de amenidade e
melancolia."
Perto de concluir o adeus a Machado de Assis, Rui Barbosa
a ele se dirige, vendo-o a caminho da outra parte da eternidade: "Mestre e
companheiro, disse eu que nos íamos despedir. Mas disse mal. A morte não
extingue: transforma; não aniquila: renova; não divorcia: aproxima."
A oratória acadêmica de Rui engloba algumas outras
pérolas, como a célebre Oração aos Moços (discurso na Faculdade de Direito de
São Paulo, na condição de paraninfo dos bacharelandos de 1920) e o Elogio de
Castro Alves, por ocasião da celebração dos dez anos da morte do Poeta dos
Escravos, em 1881. São passagens extraordinárias da vida nacional, verdadeiros
marcos de nossa civilização tropical. Nada, porém, como o Adeus a Machado de
Assis, um daqueles raros momentos da História em que ela é escrita ao mesmo
tempo por quem parte e por quem fica, ambos contemporâneos do futuro.
A propósito de Rui Barbosa, vale sempre lembrar que 5 de
novembro, data de seu natalício, é o Dia Nacional da Cultura. Sobre Machado de
Assis, creio tratar-se da própria personificação daquilo que ele expressou no
poema Versos a Corina, da primeira edição (1860) de seu livro Crisálidas:
"Esta a glória que fica, eleva, honra e consola".
FABIO DE SOUSA COUTINHO, advogado e bibliófilo, é autor
de biografias de Alfredo Pujol (2010) e Lafayette Rodrigues Pereira (2011),
editadas pela Academia Brasileira de Letras.
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