Em noite de estrepitosa confraternização etílica entre as mesas do Antonio's, no Leblon dos anos de 1970, alguém se aproxima do ouvido de um dos mais exaltados convivas e cochicha: Otto, você está falando alto demais, se houver informante da repressão por aí, você se ferra. Num rompante que misturou sofisticado bom humor e uma calculada dose (sem trocadilho) de ousadia, Otto Lara Resende subiu na cadeira e proclamou, alto e bom som: Digo e repito para quem quiser ouvir: a ditadura militar é o maior atraso do Brasil, tem de acabar e vai cair. Se algum dedo-duro estiver presente, pode anotar: meu nome é Fernando Sabino!
Sabino formava, com Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos, o trio de amigos inseparáveis de Otto, os quatro cavaleiros do apocalipse mineiro, todos saídos de Belo Horizonte na década de 1940 e radicados no Rio, desde então. Mas Otto teve dezenas, talvez centenas, de outros amigos, quase todos fascinados pela conversa a um tempo solta, divertida e invariavelmente culta e bem informada do grande "causeur". Nelson Rodrigues, um desses admiradores, chegou a agregar um apêndice ao título de uma de suas peças mais célebres: "Bonitinha mas ordinária, ou Otto Lara Resende".
Jornalista, funcionário público, diretor de banco e da revista Manchete, romancista de concisão machadiana e força dostoievskiana, como fica patente no poderoso e estranho O BRAÇO DIREITO, Otto foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1979, numa disputa acirrada. O resultado, porém, foi celebrado em festa memorável, como se fora a vitória de um candidato popular, com torcida e tudo.
Nascido em São João del-Rei em 1º de maio de 1922, Otto Lara Resende trabalhou durante meio século, vindo a falecer poucos dias após o Natal de 1992, aos setenta anos de idade, depois de se submeter a uma cirurgia de coluna. Sua partida, no auge do prestígio como colunista da Folha de São Paulo, foi um choque, uma trombada de frente sofrida por milhares de leitores, antigos e novos, idosos e jovens, pessoas que se haviam acostumado, nos dois últimos anos, a encontrar, naquele pequeno espaço da página dois do jornal, um texto saboroso sobre os mais diversos assuntos do cotidiano, a crônica de um autêntico mestre do gênero.
Agora, em cuidadosa edição da Companhia das Letras, organizada por outro craque mineiro, Humberto Werneck, as colunas da Folha são reeditadas, com o título da primeira delas, datada de 1º de maio de 1991, BOM DIA PARA NASCER. É leitura na categoria das imperdíveis, livro para estar na pasta, ou na bolsa, dos leitores, e abrir em qualquer página, com garantia de satisfação ética e estética. No marco dos 90 anos do nascimento de Otto Lara Resende, fomos todos vivamente presenteados.
Fabio de Sousa Coutinho é membro titular do PEN Clube do Brasil e Presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE).
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