Os cartazes do Roxy, do Art-Palácio e do Metro Copacabana traziam o estardalhaço de filmes de James Bondona As ruas se estreitavam, as calçadas tinham menos pedras portuguesas, um desconhecido lhe perguntou se tinha fogo. Clemente acreditou que, conforme a vez que o sujeito lhe perguntou a hora, este também fazia parte da perseguição. Não tinha mais Mateus para enfiar-lhe murro. Clemente apenas empurrou o sujeito que arregalou os olhos, girou o indicador à altura do ouvido e gritou: Tá maluco, homem, tá maluco? Mais alguns passos e Clemente entrou num edifício comercial, subiu as escadas correndo, esperou o elevador no andar médio e saiu no oitavo andar, no corredor cheio de lojas de roupas clandestinas, de manicures, de dentista, e até consultório que tinha placa de latão com os dizeres Medicina Prática e Esotérica, alfaiate e curso de datilografia.
As salas do curso de datilografia eram amplas. O curso comprara várias salas, derrubara as paredes e agora enfileirava as mesas com as máquinas de escrever. Havia sete moças praticando, dois rapazes supervisionando e um menino de sardas e óculos, cujos pés não alcançavam o chão, catando milho.
Vim me inscrever – disse Clemente para a recepcionista.
Preencha esta ficha, moço.
Ele queria ganhar tempo, saber se realmente alguém o esperava de tocaia e se conseguira alcançá-lo e, por fim, queria gente em volta, estava seguro de que com gente em volta o seu algoz ou seus algozes não iam querer testemunha para o que estavam planejando.
É iniciante?, perguntou a moça.
Não, sei alguma coisa.
Quer fazer um teste?
Clemente balançou a cabeça, uma senhora apareceu. Era d. Ruth, proprietária do curso de datilografia. Ela o levou até a mesa com máquina de escrever e deu-lhe texto para datilografar. No texto estava escrito: Não olhe para os lados, você cometeu um erro grave e agora vai ter que pagar por ele. Ainda havia outras frases misteriosas e mais outras que não faziam sentido. Clemente ergueu a cabeça e ia perguntar para d. Ruth que brincadeira era aquela. Mas a dona do curso não estava mais lá. Ele se levantou e foi até a recepcionista. Estava com o papel na mão. Eu queria falar com dona Ruth. Ela teve que sair, respondeu a moça. Mas um dos nossos professores vai atendê-lo. O senhor já bateu o texto? Eu queria saber que brincadeira é essa aqui. E Clemente mostrou o texto. A moça leu e devolveu o papel.
É um dos nossos textos. Não vejo nada de errado aqui, a que o senhor se refere?
Não olhe para os lados, a mocinha por acaso leu direito o que está escrito aqui?
A recepcionista pegou outra vez o papel e leu em voz alta: A direção do automóvel deve ser cuidadosa a fim de evitar acidentes. O senhor veja, disse a recepcionista, o problema aqui é ver como se sai o datilógrafo com a palavra direção.
Ele olhava desconfiado a moça. Não sabia se acreditava nos seus olhos ou na leitura dela. Olhou novamente o papel e não conseguia ler nem uma coisa nem outra. A leitura de Clemente era como, se comparada à respiração, uma leitura engasgada. Não conseguia respirar, ou seja, não conseguia distinguir as palavras. Não via a palavra direção ali como também não via a frase inicial não olhe para os lados.
Dois homens entraram na sala e Clemente ficou com medo de que os dois homens fossem os que o estariam perseguindo. A pior perseguição é a perseguição do homem com sua fuga. O medo é o principal algoz. O medo persegue o sujeito até onde ele está seguro. O sujeito não pode fugir da perseguição se o que o persegue está dentro dele, porque aí então ele leva o que o persegue para onde vá. Por isso é que as pessoas querem fugir da angústia. Mas a angústia tem capas, óculos escuros e outros meios de se disfarçar e aparece sempre de súbito diante do perseguido. Clemente sabia que não havia presa mais fácil do que o homem angustiado.
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