“O passado nunca morre; ele nem é passado.”(William Faulkner)Em sua estreia na prosa de ficção, Ana Miranda felicitou os leitores do Brasil e de Portugal com BOCA DO INFERNO (1989), romance cuja ação transcorre na Bahia colonial do século XVII. Passados 25 anos daquele auspicioso lançamento, a escritora cearense volta a centralizar sua pena luminosa na figura do soteropolitano Gregório de Matos. Agora, trata-se de MUSA PRAGUEJADORA, uma biografia do poeta setecentista barroco que até hoje, mais de três séculos decorridos de sua morte, ainda encanta pela atualidade política e pela qualidade inexcedível de sua fatura lírica.No auge da plenitude ficcional, Ana Miranda vai muito além da mera reprodução factual da agitada aventura vital de Gregório de Matos Guerra. MUSA PRAGUEJADORA é, sim, biografia no sentido literal do termo, mas também, graças à engenhosidade da Autora, obra de lavra romanesca, em que o genial personagem é celebrado com as honras atribuíveis aos autenticamente valorosos, aos que souberam dar à existência sentido elevado, que a justifica de sobejo – a luta incessante pelas liberdades e o combate sem trégua ou recuo aos (insaciáveis) poderosos de momento.A leitura das apaixonantes quinhentas páginas de MUSA PRAGUEJADORA traz à mente, em recordação que me parece justa, o majestoso OS SERTÕES, no qual Euclides da Cunha igualmente produziu um misto de reportagem e ficção, fazendo pontificar a personalidade heroica de Antonio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro (cearense de Quixeramobim).Há cerca de um ano, Ana Miranda dera a lume SEMÍRAMIS, romance de natureza epistolar e biográfica, em que avulta José de Alencar, o primeiro dos grandes ficcionistas pátrios oriundos do Estado do Ceará. Numa empreitada de fôlego muito maior, a estupenda escritora homenageia, em seu novíssimo livro, outro gigante da literatura em língua portuguesa, bardo de virtudes pessoais, intelectuais e estéticas raras vezes alcançadas em nossos cinco séculos de tradição literária. Nas palavras da própria autora, os ficcionistas são historiadores que fingem estar mentindo, e os historiadores, ficcionistas que fingem estar dizendo a verdade.Ana Miranda, também artista plástica de recursos prodigiosos, é, novamente, a responsável pela capa de MUSA PRAGUEJADORA, trabalho de fascinante riqueza visual, unindo, num mesmo volume, literatura e arte em níveis de inspiração superlativa.A Autora já foi premiada, entre outros, com o importante Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; teve sua obra traduzida em diversos países e para inúmeros idiomas; um de seus livros, DESMUNDO, foi adaptado para o cinema e transformado num belo filme nacional; enfim, Ana Miranda convive, há tempos, com a consagração INTER VIVOS, e, não obstante tal circunstância, persiste na trilha da entrega infatigável a seu ofício, atributo marcante dos artistas verdadeiramente imortais.Segundo a lição imperecível de Jacob Burckhardt, “A História é a poesia em escala mais ampla.” MUSA PRAGUEJADORA, formidável poema em prosa, evidencia que Ana Miranda é atenta leitora e clarividente narradora da História, a exemplo de seu monumental biografado baiano.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2015
Ana e Gregório, Fabio Coutinho
ganhou, entre outros, os prêmios de Revelação de Autor da APCA, o Casa de las Américas e o Guimarães Rosa. No ano de 1998, edita Terratreme, poesia, livro que recebeu o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Fundação Cultural do DF. Durante nove anos dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. É Doutor em Literatura pela UnB. Em 2000, publica o livro de poemas Andarilho, da ed. 7Letras. Em 2004, sai Eterno Passageiro (Ed. Varanda). Em 2005, pela Ed. LGE, lança o romance O viúvo, que o crítico Adelto Gonçalves chamou “de uma das primeiras obras primas da literatura brasileira do séc. XXI”. Em 2007 lançou dois livros: Manual de Tortura (Esquina da Palavra, contos, 2007) e A Ideologia do personagem brasileiro (Editora da UnB, ensaio, 2007). Em 2009, sai A máquina das mãos, poemas, publicado pela 7Letras, que ganhou o Prêmio de Poesia 2010, da Academia Brasileira de Letras. Em dezembro de 2010 lança o romance Um homem é muito pouco. Memória dos Porcos é publicado em 2012. O difícil exercício das cinzas, de 2014, é seguido pelo livro de ensaios A cidade na literatura (2016) e, mais recente, Matadouro de Vozes (2018)
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