Quando Euclides da
Cunha concluiu Os Sertões, em 1902,
Machado de Assis já era considerado o grande nome das letras nacionais, graças
à publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e
Dom Casmurro (1899). Com Os Sertões,
passou a existir, em nosso ambiente literário, mais um narrador genial,
produzindo, em português do Brasil, uma obra extraordinária, de cunho a um
tempo sociológico, histórico e ficcional. Até hoje, decorridos 113 anos de sua
edição original, o livro de Euclides da Cunha permanece inabalável no topo da
pirâmide cultural brasileira, algo poucas vezes igualado em todo o curso do
século XX ou neste início do XXI.
Euclides da Cunha inaugurou com Os Sertões uma nova visada da Literatura Brasileira em direção ao
hinterland nacional, muito diferente do sertanismo romântico de José de Alencar, por exemplo.
Euclides traçou um novo itinerário que será posteriormente seguido pelo romance
de 30 e mesmo por Guimarães Rosa com Grande
sertão: veredas (1956).
Contemporâneo das teorias evolucionistas e deterministas do
final do século XIX, Euclides compõe Os
Sertões em uma estrutura de três partes (a Terra, o Homem, a Luta), seguindo
o modelo de Taine (raça, meio e momento), estabelecendo, a partir do episódio
da guerra de Canudos, uma ampla interpretação do país, em que o Brasil
civilizado do litoral se confronta com o
Brasil agreste, bárbaro e trágico do sertão.
Sob o preciosismo e o
cientificismo do vocabulário, a tensão e a dramaticidade da frase são o que
mais impressiona na linguagem de Os
Sertões, a exemplo da seguinte passagem
da terceira parte da obra:
“ A luta é desigual. A
força militar decai a um plano inferior. Batem-na o homem e a terra. E quando o
sertão estua nos bochornos dos estios longos não é difícil prever a quem cabe a
vitória. Enquanto o minotauro, impotente e possante, inerme com a sua
envergadura de aço e grifos de baionetas, sente a garganta excicar-se-lhe de
sede e, aos primeiros sintomas de fome, reflui à retaguarda, fugindo ante o
deserto ameaçador e estéril, aquela flora agressiva abre ao sertanejo um seio
carinhoso e amigo.”
Com
a bagagem de cientificista de sua formação de engenheiro militar, Euclides
interpreta previamente o confronto entre o exército e os seguidores de Antônio
Conselheiro como o resultado da marcha positiva da história sobre as raças
inferiores e incultas das áreas atrasadas do País. Porém, com o desenrolar da
luta e, especialmente, com a execução sumária (degola) da população restante de
Canudos, o escritor percebe que o crime e a loucura estavam incrustados na
própria civilização do litoral, enquanto a força, antes de tudo, estava no
sertanejo.
Canudos
não se rendeu: resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo,
na precisão integral do termo, caiu, ao entardecer, quando caíram os seus
últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois
homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil
soldados.
Tão
impressionado ficou com a obra de Euclides da Cunha, o escritor peruano Mario Vargas Llosa (Prêmio Nobel de
Literatura, em 2010) nela se inspirou para a escrita de La guerra del fin del mundo, de
1982, exatos oitenta anos transcorridos da versão inaugural de Os
Sertões.
Em
língua inglesa, o magnífico livro brasileiro recebeu o título de Rebellion in the Backlands, traduzido
por Samuel Putnam e editado por The University of Chicago Press, em 1944.
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