Shakespeare |
Disse
Stendhal que “A vocação é a felicidade de ter como ofício a paixão”. Como toda
máxima, essa encerra uma grande verdade. Pelo menos é o que transparece na
leitura de Crônicas de um leitor
apaixonado (Ed, Thesaurus, 2015), livro de Fábio de Sousa Coutinho,
carioca/brasiliense, escritor e acadêmico que dedica seu tempo e entusiasmo a
literatura. E, pela quantidade e qualidade de relatos em seu livro, podemos
imaginar a grande viagem do autor: de Shakespeare a Vinicius de Moraes, passeando
pelos talentos de vários séculos e lugares, sua acuidade e sensibilidade
mostram um leitor que não só é apaixonado como também é um crítico perspicaz.
São crônicas
literárias, homenagens e saudações a seus pares, na melhor tradição da Academia
como lugar do saber e do encontro entre aqueles que, muitas vezes, vindos de
universos diferentes, comungam o espírito da inteligência e se ocupam da
palavra-arte. Ainda bem. Os textos curtos, enxutos/caudalosos, numa linguagem fluente
e bem articulada, com a palavra (que parece) fácil e o estilo alto e claro como
as estrelas, para lembrar quem entende do assunto, o padre Vieira. Tudo de que
necessita essa narrativa chamada crônica, tão brasileira!
Pelos seus
olhos apaixonados, os grandes se agigantam e se tornam apaixonantes. E, como um
Virgílio moderno, ele nos conduz com a
experiência de leitor culto e refinado num longo percurso no tempo e no espaço,
rememorando fatos emocionantes como o discurso de Rui Barbosa no adeus a Machado
de Assis, que são “passagens extraordinárias da vida nacional, verdadeiros
marcos da nossa civilização tropical” (Pág. 100). É também um passeio no museu
de tudo onde vemos o que há de belo na literatura brasileira, aí considerando
de modo especial a brilhante prosa dos jornalistas que se destacaram entre nós.
Nesse museu, inspirado pelas musas da Eloquência, da História e da Poesia,
Fábio Coutinho nos leva ao salão em que perfilam prosadores, poetas, contistas,
cronistas e biógrafos - todos merecedores da fama que os eleva e da
nossa admiração pelo muito que fizeram pela língua e cultura do país. Temos o
mestre Rubem Braga, o incrível Otto Lara, a genial Lucia Miguel Pereira, a doce
Ana Miranda, o poeta e amigo Antonio Secchin, mais os que em Brasília viveram e
produziram, como Cyro dos Anjos, Almeida Fischer, e os que vivem, escrevem e
distinguem a cidade com obra significativa, como Edmílson Caminha. E muitos,
muitos mais. Aqui santo de casa faz milagres.
Ler Crônicas de um leitor apaixonado é, sobretudo, apaixonar-se pelo encanto das
letras nacionais e lembrar que temos uma literatura sofisticada, imensa, que
nos orgulha, com um rico passado que só um autor apaixonado pode presentificar.
Essas Crônicas são um presente. Se
lhe fosse perguntado quanto tempo levou para escrever o livro, Fábio Coutinho
poderia parafrasear uma de suas musas, Lygia Fagundes, e responder: a vida
inteira!
Vera Lúcia de Oliveira é professora de literatura.
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