quarta-feira, 24 de abril de 2019

Voragem, de Tanizaki


“Vim hoje à sua casa com a intenção de lhe contar todo o incidente, sensei, mas...noto que interrompi seu trabalho. Tem certeza de que não se importa? Narrada em detalhes, a história é longa e tomará um bocado do seu tempo... Eu podia até registrar os acontecimentos no papel em forma de romance e submetê-lo em seguida à sua apreciação, soubesse eu ao menos redigir melhor.”



Assim começa o romance Voragem, de Junichiro Tanizaki (1886-1965). Publicado em 1931, ambientado nos anos 20, no Japão, Tanizaki, um dos mestres maiores da literatura japonesa, se aventura em Voragem (Cia. das Letras) como autor de envergadura moderna, a ombrear-se com as temáticas do Ocidente, e ainda mantém o vínculo com a tradição que lhe deu, segundo muitos críticos, seu livro mais importante: A vida secreta do senhor de Musashi. A história de Voragem é contada por um dos personagens que se dirige a um sensei (pessoa com formação superior e que tem aura de orientador), do qual o leitor nada sabe, pois não aparece em cena e serve apenas para que a narração dos fatos aconteça. Um quarteto amoroso se instala, com aventuras homossexuais, tramas e desvios narrativos, surpresas e outros truques que o autor nos brinda. Tanizaki não utiliza técnicas narrativas sofisticadas como seus pares no Ocidente nos anos 30. As surpresas e os turnpoints ocorrem dentro da própria narrativa, linear e tradicional, sendo a trama mesmo que nos surpreende, emociona e nos desconcerta.

Voragem é um romance intimista, embora as ações exteriores das personagens sejam muito presentes. A análise da psicologia dos personagens é desconcertante, pois o que é afirmado logo a frente é desmentido e o leitor fica com a sensação de que, como sua última gelstalt do personagem, ela logo será desfeita ao apresentar um comportamento que o narrador desconhecia.

O narrador do livro, Sonoko, uma dama da classe média japonesa ascendente, casada com um advogado, apaixona-se por outra moça, solteira, de rara beleza. Tem-se a impressão de que a grande vítima de toda a trama é a própria Sonoko que, somente nas páginas finais, apresenta a versão com que findará o livro. Ao negar ao leitor a confissão completa e logo no início, o que desfaria a tensão com que o romance é mantido, a narradora costura toda a história com descrições das ações dos personagens e a análise desconcertante que ela julga ser a definitiva em relação ao quarteto amoroso.

Essa habilidade narrativa não é própria da literatura oriental. Voragem é um romance bem moderno e arrojado para sua época e deve mais às técnicas narrativas do ocidente do que ao paisagismo, tema amoroso, os samurais e outros personagens que ilustram o passado do país insular.

Por fim, uma última observação: o que predomina em Voragem é o espaço interior. Embora haja poucos momentos em que os personagens se aventuram por espaços exteriores como na a fuga de Sonoko pela praia, vestida com maiô à ocidental, a maioria predominante refere-se às ações dentro de casa, na escola de pintura, no hotel de encontros, no escritório de advocacia do marido. Já em A chave, Tanizaki se exercitara nos ambientes interiores e no tema obsessivo do adultério – visto de maneira suave, magoado, doloroso e silencioso. No caso de A chave, eu até tenderia a dizer que o grande espaço romanesco se restringe aos cadernos que servem de diário ao marido e à esposa que estimula o parceiro com a sua traição. (RCF)

imagem retirada da internet

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