sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Ventríloquo, poema

 


 


 

 

 

 

Tenho um boneco dentro de mim

que fala a madeira do mundo.

Minha boca

dura um minuto antes de minha fala.

Aos poucos me acostumo

a ouvir vozes que sussurram bonecos.

Ainda terei a malícia

dos olhos fixos e azuis

arregalados de riso.

Meus pés flutuam

calçados de submissão.

As tristezas são guturais

e ficam presas na dublagem da vida.

Quem fala por mim?

O que boneco

que sou entre gentes

ou o humano

que fala entre bonecos?

As pessoas têm o dom

de colocar palavra na minha boca.

Falam por mim,

mexem meus braços por mim,

dão pulos de madeira por mim.

Ser ou não ser um boneco?

Minha fala shakespeariana

ainda vai hamletizar minha existência.

Cara de pau, dirão os inimigos.

Meu silêncio

fala pelos cotovelos.

Todo meu corpo

é uma fala de outra pessoa.

O que tenho medo

é do madeirame das opiniões,

da vida gepeto que levo

que quer ter vida própria.

 

 

 

 

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