Conheço a produção
literária de Hugo Almeida desde seus primeiros livros de contos nos anos
1970/80 até o agora romance Vale das Ameixas (Editora Sinete, São Paulo,
2024). Durante a trajetória de 15 livros Hugo tem sido fiel a si mesmo.
Jornalista, primeiro em Belo Horizonte, mais tarde e definitivamente em São
Paulo, doutor em literatura brasileira pela USP, ele sempre perseguiu a
experimentação, tendo por influência ou confluência a presença estética de
Osman Lins (1924-1978). Vale citar seus escritos, conferências e organização de
livros sobre o escritor pernambucano porque o mestre de Avalovara está
presente neste romance sobre o qual agora escrevo, principalmente na
intertextualidade de A rainha dos cárceres da Grécia com o labirinto
previdenciário e sua personagem Julia Enone.
Em 1988, Hugo
Almeida ganhou o importante e prestigiado prêmio da Bienal Nestlé com o romance
Mil corações solitários. Agora retorna ao gênero com um romance
vigoroso. Vale das ameixas é composto em forma de mosaicos e várias
vozes. O personagem central é Harley ou Timo, um polonês exilado no Brasil, que
ganhou a vida como professor. Aposentado e envelhecido, o personagem revisita
seus amores, encontros e desencontros, a vida dele amorosa com as mulheres de
sua vida (Núbia, Léa, Biela, Laura..) e a vida das mulheres, cada qual com seus
destinos sem a presença dele, desde uma atriz, uma guerrilheira política, uma
bailarina e várias outras.
Como o livro é um
composto de recortes, o leitor terá de montar a linearidade que o romance não
expõe à leitura. Com muitas menções a figuras artísticas polonesas como Chopin,
Grotowski, Wajda, Krajcberg, Polanski, Gombrowicz, Ziembinski, o romance cresce
em densidade com essas lembranças e historietas de grandes escritores, músicos,
cineastas, artistas plásticos etc. que povoam o livro.
Neste tipo de
narrativa errática (não há aqui neste adjetivo nenhuma conotação negativa, pelo
contrário), fragmentária, o mais comum – como aqui ocorre – é não haver uma
linearidade que conduza a uma tensão do tipo apresentação, problema, clímax,
anticlímax. São essas partes do mosaico que vão compondo o painel final da vida
de Timo, suas mulheres, seus filhos (um ou dois?), suas dores, seus amores,
suas alegrias. O interesse é a composição da grande tapeçaria literária e não
um suspense ou uma história com princípio, meio e fim. Neste sentido, como no Jogo
da Amarelinha, de Cortázar, o romance de Hugo Almeida pode ser lido de trás
para frente, de frente para trás, ou começar de qualquer fragmento. Este é um
dos virtuosismos de Hugo Almeida em seu Vale das ameixas.
O personagem
principal é um sujeito solitário, vivendo de recordações de amores fugidios de
outras épocas, algumas foram suas alunas e ele exerceu sua influência
intelectual. É um exilado do nazismo, com lembranças da sua Polônia natal. Não
é um primor de virtude, embora quase todas as mulheres de sua vida o tenham em
boa conta (a psicóloga Amanda é exceção). Não poderia deixar de citar, porque a
mim me toca muito particularmente, a personagem d. Benedita, que apareceu
primeiramente num romance meu, O viúvo, e que Hugo a fez morar com o
polonês, dando conta ao leitor que eu ao ir para a Venezuela a deixara com
Harley. É uma personagem pela qual tenho muito carinho e Hugo a reconstrói de
maneira admirável, dando outros toques que a tornaram mais humana. Aí está,
além da beleza da amizade que nos une há quase cinquenta anos, a experiência da
intertextualidade como muito bem aponta o autor.
Nessa colagem
densa, nesse bricabraque narrativo, Hugo Almeida constrói com seu Vale das
ameixas, depois de uma larga e profícua trajetória, um dos romances mais
instigantes dos nossos dias. É o ápice de uma carreira construída com zelo,
afinco e perseverança.
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