Sou pouco de muito me acabar
e esta dor que me atravessa
nasce não sei donde
e não se finda ao corpo findar.
Esta dor que só a mim me resta
não a compartilho com ninguém,
não por egoísmo que dor ninguém a quer,
mas para não ser alvo de mofa
ou ver-se mofado o corpo que o fado traz.
Aos outros sou são e cheio de vida,
cabelo ao vento e rosto corado de lida,
mas o deserto que me corrói,
a dor que me derrota e me erode
me faz grão o que antes era pedra
me torna vento e errático,
ou seja, sou agora o que antes na cara me batia.
Vivendo vou o que me resta
que a dor se fez de mim
como um braço necessário
e uma perna que nos move
e de tanto senti-la
quando não vem me pergunto
que fizeram de minha perna
ou de meu braço que mover não posso,
porque a dor tanto se agasalhou,
tanto se fez própria e minha,
que, em sua falta, me pergunto:
se não era a existência por si só
aquilo que antes me doía
tão natural como a noite sucede o dia.
(do livro Memória dos porcos. Rio: 7Letras, 2012)
(imagem retirada da internet: garciaplugado)
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