A família de
Alice tinha grana. Ela é que não tinha grana. Estudara inglês e era poeta. Eu
andava com os amigos poetas de Alice e não entendia aquela história de Kerouac,
Ginsberg e Silvia Plath. Alice gostava dos poetas beat mas não queria ir on
the road. Não era judia, gostava da poesia de Ginsberg, mas não queria
ser internada no sanatório para malucos do Bellavue. Nem muito menos queria se
matar como Silvia Plath. A maioria do grupo de Alice gostava mais da vida dos
escritores do que propriamente dos escritores.
Li os livros que Alice trouxe para
casa. Literatura de confissão. A literatura de confissão – se você tem vida
louca, on the road ou suicida – é literatura que chama a atenção. E
literatura fácil de ler, mesmo para um cara que não lia muito, embora não
desgostasse da leitura, nem fosse idiota. Eu apenas não tinha a pretensão de
ser poeta e discutir poesia. Dos brasileiros, eles não comentavam muito. Os
franceses eles tinham dificuldade de ler, mas quem eles não podiam deixar de
ler eram os malditos franceses, ou melhor, os poetas malditos franceses. Alice
via duas ou três sessões seguidas do mesmo filme e eu não entendia como alguém
podia assistir a duas ou três sessões seguidas do mesmo filme. A impressão que
eu tinha é que ela era burra e queria ver o filme para elucidar alguns
detalhes. Mas é claro que Alice não era burra nem queria elucidar alguns
detalhes. Alice via os filmes para que os filmes entrassem nela, fizessem parte
do passado dela, que fossem como lembranças do que havia vivido e não imagens
de filme feito por um diretor e passado no Metro Copacabana ou no Paissandu.
Alice fugia da família e do passado, talvez fosse por isso que entrava no
cinema em busca de um passado alheio que ela pudesse incorporar no repertório
do passado dela.
(do romance Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
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