Os amigos poetas de Alice não gostam de mim. Me acham burro. Um sujeito sem leitura. Tenho minha leitura, mas não é a leitura deles. Alice odeia a poesia dita feminina que fala na hora presente, no amado perdido, no voo do pássaro, na tentativa de recuperar o instante e tudo o que é deliquescente e abstrato ou trata do universo feminino como menstruação, maternidade e pintura de unhas só pode entrar na poesia se for como ironia.
Procurei Alice na casa de Artur
Rabelais (é claro que o Rabelais era apelido e não o sobrenome do cara) e ele
me disse na porta do apartamento, uma espelunca igual a minha, que não via
Alice fazia uma semana e que não tinha ideia onde ela poderia estar. Alice não
tinha pouso fixo e se eu quisesse entrar que eu entrasse, mas Alice não estava
ali. Bati em outras duas portas e ninguém tinha visto Alice. Outro grupo de
Alice era de cineastas ou de candidatos a cineasta. Eram cineclubistas e
curta-metragistas. Haviam feito apenas um ou dois filmes, mas quem os ouvisse
falar pensava que estava falando com Antonioni ou com Bergman. Falavam em Dizga
Vertov, Griffith e Eisentein. Mas quem não fala em Dizga Vertov, Grittith e Eisentein
nos dias de hoje? Cheguei a ir ao Museu de Arte Moderna, na Cinemateca do MAM,
para ver se a encontrava. Os cineastas já eram outro tipo de gente, tinham mais
grana, eram de famílias ricas. Para fazer um filme você precisa de grana, para
fazer poesia basta papel e lápis. Os cineastas amigos de Alice também ficam
impressionados como conheço cinema. Conheço cinema porque eu via desde Tom e Jerry, nas sessões dominicais do
Pax quando criança, O Rei dos Reis,
um filme que passava sempre na semana santa, e hoje em dia vivo escondido no
cinema vendo comédias idiotas até filmes de arte. Alice já aparecera nos dois
curtas-metragens do grupo, mas Alice não quer ter corpo e quem não quer ter
corpo não pode colocar o corpo inteiro numa tela. Alice pensa que pode ser
reconhecida, e por meio das pessoas do filme, eles chegariam até ela. Alice não
diz quem a persegue, não digo quem me persegue.
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
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