Daqui não se parte,
aqui não se chega,
há um tempo imóvel
em toda multidão de pés
de borracha, de pés de ardósia,
de pés mecânicos de escada,
porque aqui o que existe é
redemoinho de gente,
agitação febril que se consome,
o suor diário de cana,
o pastel diuturno da manhã,
a cabeça operária,
o relógio de ponto no pulso.
Nesta Rodoviária não há viagem,
todos estão paralisados numa cidade
operária; aqui mesmo parece ser
o destino e a partida,
vermes no estômago,
no ventre do tempo,
consumindo-se de si mesmo,
a Rodoviária para existir
necessita dessa fornalha de gente
para produzir o calor febril da cidade.
Mas aqui há também ócio
e malandragem – há o eterno
flanêur suburbano, de pente no cabelo,
masca o chicletes do conto do vigário,
os bolsos vazios de trama e promessa.
Aqui há gestantes, despachantes,
amantes, crentes, cantores e desertores.
O que me invoca é a mesmice
dos rostos mulatos desgastando-se
na fotografia 3 x 4 do cotidiano,
na impressão pouco digital
da carteira não-assinada pela vida.
Na Rodoviária, o enxame nada produz,
tudo não passa de zumbido e gás carbônico,
letreiros com os destinos mais amargos,
os exilados de todos os campos e favelas,
de todo bairro popular,
aqui estão para embarcar
não para Taguatinga, Gama, Guará,
Recanto das Emas, Samambaia,
Ceilândia, Riacho Fundo,
mas todos estão embarcando para o futuro,
lá onde não existe hoje,
lá onde não existe passado,
lá onde não existe Rodoviária.
* Da chamada "rodoviária" de Brasília partem os ônibus para as cidades satélites.
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