segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Os dois portos, poema RCF






I

O porto, deserto, tem vontade de raízes.
Cada calçada estrangeira é um convés arquejante,
navegação de baixo calado, espessa longitude,
a foto que me pedem não cabe numa vida a 3 x 4.


II

O porto afinal não existe:
argamassa feita de partidas de pedra e nervuras dúcteis,
as heras são as amarras indolentes,
as cordas músculos que se distendem.
Irresoluta, a vida se encaixota e espera
na incúria insalubre dos porões.

O porto me afunda em vez de me ancorar.
Sou apenas imagem fugidia
de um cais
que nunca visitei, embora viva nele.

A morte,
ora, a morte
é que é o porto onde o corpo atraca,
sem corda, só com a âncora de madeira.

O porto é a dispersão da pedra,
o mar domado,
lenço exsudante
em forma de borrasca
que nada agita além de nós mesmos.





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