As flores silvestres,
os animais agrestes,
toda a natureza campestre é selvagem.
Não seria o homem
uma contrafação,
já que o homem do campo
não tem mais pelos que o urbano,
mais dentes que o citadino,
mais fúria que o das grandes cidades?
Ao contrário de Rousseau,
o homem campestre é uma abstração.
Os homens são urbanos
como as baratas
e, como as baratas,
sobreviverão à bomba atômica
com suas asas de metal,
suas antenas de fio cósmico,
seu corpo invertebrado de desejos ainda a serem inventados.
Ou então, a pergunta é outra:
o que fizemos do homem,
de sua magnífica selvageria,
de seu couro sem livros,
da sua manada sem talheres,
da sua solidão sem modos,
do seu corpo múltiplo
– macaco, homem, mineral e espasmo –
que vagueou, na campina,
antes da aurora das cidades?
(do livro Terratreme, 1998, Fundação Cultural de Brasília)
imagem retirada da internet: pocket of sunshine
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