Que direito tem a mão infiel
do duelo de afastar Pushkin de nós?Por que a mão noturna tirou a vida morena
de Llorca e não deixou que escrevesse
mais sobre Nova York e ciganos?
Que obra não nos deixaria ele
se Dilermano não acertasse seis balas
no corpo seco e sertão de Euclides?
Que fúria inumana é essa,
insanidade do corpo,a faca entre as pernas,
com sua ânsia cega de outro corpo,
outro corpo assassino e sifilítico,
que dá afasia e loucura,
que mata as flores de Baudelaire
e retira Nietzsche aqui do Bem e do Mal?
Não sabe a genitália, que não é
gênio,
nem muito menos culta,que afrontava o corpo dos dois
como num duelo de si mesmo,
que vence o baixo ventre sobre a alta mente?
Que mão outra senão a mesma,
esquecida que pertencia a um poeta,
agiu mecânica e torpe,
e deu fim à exuberância de ideias
de Maiakovski – a mesma mão
que escreveu seus poemas de futuro?
Por fim, que trama é essa do corpo
que não obedece a seu dono,que nos corrompe,
furtivamente age por si,
e, amante infiel,
traz garrucha, adaga, sífilis, aids ,
tiro, corda, ponte de suicida,
quando não apenas o inimigo
nos retira o melhor de nós
e deixa que provenha
antes que vinho e carne,
a cotidiana corrupção da matéria,
intestina e inculta,
num duelo que só ela atira.
(Memória dos porcos, Rio: 7Letras, 2012)
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