Caxias,
Maranhão
Atravessar aquele umbral da porta da
fazenda significava deixar para trás três cidades, ingressar no passado como se
tudo o que vivera fora um sonho do qual acordaria ainda sem distinguir vigília
e devaneio. Voltava a Macaúbas da minha infância, os campos a perder de vista,
as moendas, os trabalhadores no eito, as plantações de milho, de algodão.
A raiva do meu pai era severa, embaraçosa.
Temia beijar o homem iracundo ou ter medo do pai amoroso. Este último me
ensinava a criar bicho de seda, orgulhoso da semente de amoreira que fizera vir
de Portugal, a cultivar entre nós mais que a transmissão do conhecimento, senão
tecer a cumplicidade da descoberta do mundo.
À noite, meu pai montava o cenário para os
músicos amigos dele. O dr. Morizot na flauta; no piano, o Pinho Gonçalves; no
violino, o boticário Arlindo e outros mais, todos servidos de vinho que meu pai
mandava trazer do Porto por intermédio dos irmãos Guimarães. Da baixada, vinham
os jaçanãs e os queijos de São Bento.
Meu pai não era tão alto. Quando me tornei
adulto, me dei conta que meu pai era mais baixo que eu, parecia que me roubavam
parte da minha infância, com ela parte do meu pai. De barba cerrada, os bigodes
grandes, retorcidos, a fragrância de água de cheiro que passava após tomar o
banho frio com um aparato que mandara construir para que, de dentro da bacia
pendurada, saísse um fluxo de pingos contínuos e gelados.
Vestia-se com aprumo naquele calor
infernal de Caxias. Relaxava um pouco na Macaúbas. Calçava as botas, punha
camisa branca sem gola, colete com quatro bolsos –, a maior invenção da
humanidade para meu pai não fora a roda, mas o bolso – e neles punha de tudo
que podia lá caber. Em Macaúbas, andava armado. Minha mãe não gostava de que me
mostrasse arma.
(Balaiada. São Luís: Academia Maranhense de Letras, 2021)
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Prezado Ronaldo,
ResponderExcluirLi hoje no Correio Braziliente sobre seu romamce Balaiada, publicado pela EntreCapa Edições. Tenho interesse pelo livro. Onde posso comprá-lo? Procurei na Amazon, mas não o encontrei.
Orlando Matos
orlando.matos1@gmail.com