Trago nos bolsos um pedaço de vida.
Um troço pequeno, virulento, mas dócil.
Às vezes me corrói,
penso que pode me escapar.
Outras vezes, rumina memórias,
anúncios antigos, brincadeiras na fábrica abandonada.
A maior invenção da humanidade
foi o bolso, dizia meu pai.
Meu pai não era filósofo.
Era alfaiate de leis.
Eu costumava costurar letras,
mas eram muito pequenas
e difíceis de pregar no tecido da vida.
Mas não desisti.
Alguns poemas nasceram para serem amassados.
Os bolsos se avolumam durante o dia.
Eu diria que o homem são seus bolsos,
e, mais ainda, mais além das circunstâncias,
o homem se veste de bolsos,
todo o homem é um grande e díspare bolso.
À noite dormem no silêncio dos vácuos.
Na vesícula dos bolsos,
o homem pode sonhar.
No apêndice dos bolsos,
o homem é uma excrescência.
De repente, sinto
que me transformo num bolso.
Que ando pela cidade
como se fosse somente
um carregamento de coisas.
Inflo, contorço-me,
todos os segredos me engordam.
Ou então desfaço-me de tudo.
Minhas roupas não podem me fornecer.
Não guardo nada em mim.
Minha memória,
que é um bolso cinzento,
não me oferece nenhum abrigo.
Busco por um número telefônico,
um verso perdido, um bilhete de socorro,
e o bolso cinzento
se recusa a guarnecer-me.
Ando por ruas movimentadas,
rostos estranhos e sisudos
se recusam ao reconhecimento.
Olho-me numa vitrine
e o vidro balança
a cabeça negando-me bolso.
Meus sapatos,
que são outra espécie de bolso,
mas que não carregam nada além de metros,
se recusam a reconhecer meus passos.
Desarrazoados, iníquos, vazios e torpes,
os bolsos abrem-se em abismos.
São rudes, perversos,
diluídos, devassos e difusos.
Há um carrossel de impurezas
que rodam sob o realejo
mecânico e dentado
indiferente ao sopro do improviso.
Uma casa também pode ser um bolso.
A minha é larga,
respira pouco,
e mergulha na ânsia perdida
de tudo preencher.
O bolso da casa
está cheio de memórias
e não posso caminhar entre tantos objetos
que se acumulam
na algibeira dos tempos.
O bolso,
a cada dia que passa,
mais se acumula.
Não sei em qual dos dois
bolsos da casa me encontro:
se no largo e bojudo
espaço do passado,
ou se na edícula do presente
que perverte os sentidos
e manipula a realidade.
Haveria diferença
para o bolso da casa
e o bolso do trabalho,
minúsculo, preso ao peito,
respirando suas batidas ordinárias?
O bolso do trabalho
está cheio de rostos fabris.
Enérgicos, fluidos,
vagos, semidesconhecidos,
todos circulam
pelo bolso com suas obrigações
administrativas,
entram nos becos das salas,
circulam pelos corredores
e artérias de um coração sem sangue.
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