Teus rios são feitos de água
mais intestina: a água da terra
revolta que se move num
enorme estômago de areia,
barro e água, um tempero
que nem franceses, nem portugueses,
muito menos holandeses,
puderam acalmar na azia dos tempos.
Tenho em mim um bumba-meu-boi
numa caixinha de música:
a cabeça roda os pinos e os brincantes
bêbados se apresentam mambembes
no pátio da casa do desembargador.
Com os anos, rolei mundo,
esta outra caixa sem música,
que vai silenciando a memória,
e os casarões de pé direito alto
arquitetaram saudades e fotos
nos azulejos da infância
que se despregam fácil
e são substituídos
por outros falsos:
são gente de outra época
que se prega na parede dos dias.
Meu patrimônio são duas peças de roupa:
uma de marinheiro
com que posei, na fotografia, de órfão
e outra de índio
para um eterno carnaval
em que ia contra a corrente
de gente e versos,
que são correntes de gosto
e compostas de vazio e tombamento.
Tenho quatrocentos motivos
para ser uma cidade
em constante viagem,
sem paradeiro que a sossegue
e sem destino que a cumpra.
8.09.2012
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