A casa tem mais habitantes.
Está cheia de percevejos, baratas e outros insetos.
Nunca vi um percevejo. Se percevejo é bicho redondo de várias patas, já vi percevejo. A impressão que tenho é que estão dentro de mim. De noite me coço e não sei que família de bicho me ataca. Passei muito tempo inerte, paralisado, alimentando-me do sangue das sopas ralas. Não tenho os nervos abalados, não, tenho poucos nervos. E meus nervos estão cheios de percevejos.
Eu contratara uma empregada que
vinha aqui duas vezes por semana. D. Etiópia. Eu dizia pra ela que o nome dela
era nome de país, ela ficava me olhando e talvez pensando que eu era meio gira.
D. Etiópia é uma branca gorda e forte e não tem nada a ver com a Etiópia. Como
a Itália, na Segunda Guerra Mundial, invadiu a Etiópia, numa ópera bufa, d.
Etiópia podia muito bem ser filha de emigrante pobre italiano que deu o nome
atravessado para a filha. Mas Etiópia não tinha nada de italiana, a não ser a
gordura napolitana e a força mafiosa de suas mãos capaz de suspender um homem
em cada mão. Depois não tive como pagar d. Etiópia e a casa foi sendo tomada
pelos bichos. Toda minha louça está suja e engordurada na pia. As baratas se
equilibram sobre o copo, outras sobre o cabo das panelas, outras até fizeram ninho
no interior de uma lata aberta. As formigas passam por mim indiferentes e sem
medo. As formigas não têm medo. Não há na fisiologia da formiga nenhuma
glândula que excrete o medo. Se pudesse arrancava a minha glândula que secreta
medo. Iria até o dentista e pediria ao dr. Máximo que me tirasse a glândula do
medo e ele responderia que não era cirurgião, o que fazia era extrair dente e,
além do mais, não queria se meter em minha vida, mas nunca tinha ouvido falar
em extrair a tal glândula do medo. Dr. Máximo é tão velho que a glândula do
medo dele deve ter secado. A loucura e a velhice devem entupir a glândula do
medo. Só um sujeito com a idade de dr. Máximo ia até o puteiro de d. Sereja sem
medo. E a razão era que a glândula do medo dele não excretava mais líquido
nenhum.
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010.)
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