domingo, 14 de outubro de 2018

O contágio da vida




 


Ninguém está livre da vida.
A vida é altamente contagiosa.
Há de se evitar as aglomerações
como estádios de futebol ou shows
onde a vida se multiplica,
onde a vida é multidão.


Não há remédio contra a vida.
Em certos momentos de paz,
ela se espalha
como vírus vital
ou tumor de felicidade.


Não há repouso – pelo contrário –,
prevenção ou medida sanitária.
Ela mesma parece vitimar-se
do sono, do bem estar abundante
e sobrevive muito forte
em ambientes limpos e higienizados.


Nada se pode fazer contra a vida.
Senão adoecer-se dela,
viciar-se nela, acostumar-se
com seus sintomas.


Sendo assim, e só tendo a morte
que a contenha,
o paciente deve entregar-se
à moléstia da vida
e contaminar-se
com a infecção do gozo
que penetra primordialmente a alma,
lá onde cirurgião nenhum pode extirpá-la.



(do livro O difícil exercício das cinzas. Rio: 7Letras, 2014)

imagem: Iara Zaukoul

































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