domingo, 11 de abril de 2021

Os traços perdidos do homem ou Escola de sombras, de Matadouro de vozes




 Resultado de imagem para van gogh









I



Essas sombras que nadam nas águas

por que não afundam?

E por que não se molham,

se as sombras são líquidas,

se banham de escuro?

As sombras do fundo da água

são sombras molhadas ou se mantêm

em sua secura de manchas obscuras,

tortas, inexatas, peixes sem barbatanas,

ouriços sem espinhos?

Que mundo habitam as sombras marítimas?

As sombras secas das águas paradas,

as sombras enxutas e delgadas dos

líquidos já por si sombra de si mesmo,

submergem num mundo

                                                              de extravios

mórbidos, angustiados e oxidantes,

desprovidos de entranhas e entardeceres,

exibindo sua atmosfera

trânsfuga, mergulhando homens

ausentes em sua morfologia

de traços perdidos e passos tristes.               









II



Deus, dá-me uma sombra

que não esconda, mas revele

o escuro que anda em mim.

Há sombras que germinam na luz;

outras sobrevivem sem que nenhuma luz

faça parir seu duplo de silhueta.

Estas existem não como projeção,

mas a sombra em si

como se a sombra fosse projeção

de uma sombra imaginária

de uma luz suposta e irreal.

Há sombras que nascem sombras

e sombras morrerão.

O sonho também é uma sombra

cuja luz e projeção

vivem o nonsense da escuridão.

As portas das sombras estão sempre fechadas.

As escadas das sombras não descem nem sobem.

Estão prontas para o abismo.

Um abismo que pode ser não alcançar

o teto do fundo do poço.

Nenhuma sombra é igual a outra.        

Há sombra mentira.

Há sombra que sobe pelo homem

e sombra que não é falta de luz

nem a projeção de um homem

que já é sombra de si mesmo.

Há sombra enxuta,

há sombra ausente

e sombra de sombra.

Todos nascem do útero da noite,

mesmo quando de dia,

nada é igual,

por isso o espelho da sombra

é uma sombra invertida,

mas nunca a mesma e única

sombra do mal.

Eis a piscina de escombros:

Ele nada,

Tu nadas,

Ele nada,

Nós nadamos,

Eles nadam.

Ó

Deus, tirai-me dessa piscina de niilismo.

O coração em sombra

não precisa de luz

para que seja sombra do coração.

O cego se banha de escuridão

e supõe um mundo exato

onde não existe o malefício da dúvida.



As sombras estão nos meus olhos

ou nas coisas?

Ou melhor, a sombra

é a própria coisa, logo, a pergunta

é qual a sombra da sombra?

Esta é a prisão das sombras

de onde não se pode fugir nem se abrigar.

A sombra expulsa de seu útero escuro

a placenta das silhuetas.

Flores de sombras

com seu mal escuro

e pétalas de indizível negror.

A lua mesmo é uma sombra

que mal ilumina

como um espelho diante de um espelho

multiplica ao infinito as sombras.

O que existe depois da sombra

é um espaço negro em que cabem

o pesadelo, o medo, o fulgor negado

e a infinita dor das sombras.

A sombra é uma dor que não se expande.

E por ser sombra

naufraga no escuro

que é a água que a mantém

sobre a superfície da sombra.





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