As travesseiras alvoraçam
mãos de pluma
ou cabelo de penas:
não costumo adormecer
se minha cabeça
está pousada na pena.
Nada dói mais que o dó próprio.
Um dó em stacatto.
Meus cabelos
dormem em pé como cavalos.
No sono, as cabeças
são mais leves que o ar.
Por isso, levitam e baloneiam.
As travesseiras os penteiam
com seu algodão que curam feridas.
Transformam
os cabelos em águas-vivas
e os levam à correnteza das medusas.
As travesseiras
são mulheres rendeiras
que fiam o sono bordado
das silhuetas e caligrafias.
Adormecem
as iluminações sombrias,
embora haja muito sol
nas travesseiras
que bordam a aurora dos tristes.
A anatomia das travesseiras
só comporta cabeças.
Ó incêndio marítimo
feito de algodão
das núpcias
entre o céu e o inferno.
Elas não contam carneirinhos
e tudo o que tosquiam
são os cabelos da noite,
os labirintos das medinas do sonho.
São mulheres
que fazem rendas dos pesadelos,
ovelhas no cio da imaginação,
bordando histórias,
costurando os corpos.
As travesseiras
são ouvidos de pano
que ouvem minhas confissões masculinas.
As travesseiras não nos atravessam
de uma margem à outra
– da razão ao sono.
Não, não nos ouvem
nas águas passageiras da vigília.
Tenho de tampar os ouvidos
com cera para não ouvir
o canto das travesseiras
que estão nuas em uma nave
– uma naufragata –
que a qualquer momento
me prende ao mastro da realidade.
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