Um dia Yolanda acordou e entendia de artes plásticas. Quis visitar museus, fez viagem à Europa com
Clemente e com Clemente visitou o Prado, o Louvre, a National Gallery, em Londres, e outros museus e galerias. Encontraram-se em Gênova, onde o navio de Clemente parou e ele desceu de férias, como o combinado com o Lloyd. Yolanda queria esquecer a presença de Toninho Marcos que havia aparecido em seus sonhos e em alguns objetos que pegava.
Entrava na cozinha, pegava
o bule no café da manhã e o bule era Toninho Marcos. O bule não era Toninho
Marcos, é claro, mas o rosto dele estava no bule tão nítido como se refletisse
não a mão grande dela perto do bule, mas o rosto magro e ovalado de Toninho
Marcos. Abria o guarda-roupa e Toninho Marcos estava lá dentro, pendurado num
cabide. Entrava no táxi, ia pagar o motorista, ele se virava e o motorista era
Toninho Marcos.
Ela não queria trair
Clemente e por isso inventou a tal viagem à Europa que ela já tinha tanto ido
com os pais e nunca dera tanta atenção aos museus, nem via as igrejas como
góticas.
Para falar a verdade,
aquele mundo de antiguidade e arte pertencia ao mesmo universo degradado do pai
que vendia sabão. O pai gostava dos museus e das igrejas e logo se o pai
gostava do museu e das igrejas e vendia sabão, a pequena Yolanda punha no mesmo
saco igrejas, museus e sabão.
A viagem não fez Yolanda
esquecer Toninho Marcos. Ele estava nas gravuras ensandecidas de Goya, nos
quadros medievais com guerreiros sobrepostos – como cabia tanta gente num mesmo
quadro?, dos quadros da Galeria del Ufizzi, em Florença, nos retratos de
Rembrandt e ela não entendia porque Rembrandt havia pintado Toninho Marcos. Nem
também entendia como os rostos longos de El Greco todos retratavam Toninho
Marcos.
Durante toda a viagem,
Yolanda reclamava do frio europeu e do cansaço de visitar tantos lugares de uma
só vez e por isso não ia para a cama com Clemente. As duas únicas vezes que
dormira com Clemente o chamara de Toninho e, em certa noite, que sonhava que
discutia com Toninho Marcos o valor de um quadro, começou a falar palavras
soltas como móbile, arte, vida, arames, Gauguin. Só quando voltou ao Brasil é
que Yolanda percebeu não poderia mais viver com Clemente.
(Um homem é muito pouco. São Paulo: Ed. Nankin, 2000)
(Um homem é muito pouco. São Paulo: Ed. Nankin, 2000)
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