De quem somos vizinhos?
Mais do que senhor da vacuidade
que mora em frente à dúvida,
somos vizinhos da indefinição das portas
dos elevadores que não se abrem.
Vizinhos das luzes a interrogar o passado,
o quadro sem tela da janela.
Do inquieto permanecer
das coisas em repouso.
Do rumor dos móveis
e da carnagem das paredes.
Somos vizinhos dos rostos anônimos,
principalmente o que vemos ao nos barbear.
As escadas são duas faces do mesmo degrau,
tanto ascende quanto nos leva
ao rés do chão.
Somos vizinhos dos prudentes
e dos pudicos com suas higienes da vida,
o medo de ser contaminado pelos sujos humores,
a aderência do fim, o apelo esponjoso do remorso,
a imundície da liberdade,
afundar-se na lama dos desejos
ou nos dejetos do pensamento.
E aí vem a mania de limpeza:
lavar as mãos
o Poncio Pilatos dos nossos erros
a crucificação da culpa
a nos pregar as mãos
nos jatos das pias.
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