Não é o talho de algo cortante,
objeto pontiagudo, diria um legista,
mas o talho de um leite
que é o princípio de uma desagregação
e, em certo sentido, de sentimentos talhados,
maneira de se sentir em regime de decomposição.
Sou então um homem talhado.
Talhado para o amor?
Talhado para determinada profissão?
Sem que a frase continue
– o talho é intransitivo.
E vou me fermentando por dentro
até que o que me corrompe
deixe de ser fluido e se torne sólido.
Tenho então outro órgão dentro de mim
que não é apêndice nem tem função,
a não ser a de me lembrar
que minhas incandescências
são contraditórias, sólidas e em forma de talho.
(O difícil exercício das cinzas, 2014)
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