Além disso, acreditava que os cavalos de madeira de Horácio eram originais, alguns verdadeiras esculturas realistas, outros, disformes, vibrantes obras de arte impressionistas, abstratas e até mesmo surreais. A série dos horses de Horácio em que ele esculpira os cavalos chineses da dinastia Ming, com todos os aparatos e enfeites de sela e de vestimenta para a guerra eram tão vigorosos como os cavalos de apoio para as touradas, com seus adereços coloridos, pratas, chapas no dorso, elmos estranhos e estapafúrdios. Assim os dois artistas, colocados à margem do meio artístico do Rio, se completavam se admirando e trocando ideias e, principalmente, elogios, o que os reconfortavam para seguir adiante.
Na volta, a necessidade de ver Yolanda mostrou a Toninho Marcos que ele
ainda mantinha um dos comportamentos mentais que o levou à dra. Nise da
Silveira: a obsessão. Ela era parafuso que nunca acabava de se enroscar na
madeira. A obsessão era ar viciado. A obsessão de Toninho Marcos estava nas palhetas
e nas telas que pintava nos últimos dias cujo tema era sempre Yolanda: uma Mona
Yolanda Lisa, uma Yolanda picassiana onde os olhos estavam no lugar da boca e a
boca no lugar das orelhas, uma Yolanda abstrata que só Toninho Marcos via ali
Yolanda, uma Yolanda a la Andy Warhol e principalmente uma Yolanda que não
estava em tela alguma mas aparecia na tela da memória e do sonho, que são telas
móveis e dissolutas, que crescem de tamanho e diminuem sem que passe a dor.
Que língua falavam ali na casa de
Juliana? Clemente conhecia várias línguas. Em todas elas havia a palavra amor.
Só que na língua de Yolanda não havia mais a palavra amor. Ora, língua que não
tenha a palavra amor é língua mais devastadora que língua que não tenha a
palavra água. Estavam na sala, era mês de julho. Chovia. Fazia um frio de
Bremen no outono e Clemente temia o frio de Bremen no outono.
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
Nenhum comentário:
Postar um comentário