Quantas cruzes serão necessárias
para um Cristo?
Há dois mil anos mata-se o
mesmíssimo homem
– é preciso morrer tantas
vezes ao longo dos séculos?
Por que rezo pelos joelhos?
Por que meus narizes
incensam uma vida eterna?
Ainda por cima
tenho a ligeira impressão
que a hóstia é uma moeda?
Gosto das caves londrinas ou de Nova York
onde me sinto nas catacumbas.
Os padres do Nordeste eram velhas sicilianas,
arrastando as roupas negras,
o velho hábito das viúvas e mulheres
de pescadores portugueses e gregos.
O padre tinha um ouvido
de palhinha
e eu sussurrava os mais doces pecados.
Oh, Deus, pequei –
quantas Ave-Marias
e quantos Padre-Nossos
devo para expiar
a culpa de duvidar?
As igrejas me dão sensações febris,
e do púlpito todo orador me revela
a incapacidade de eu ser melhor do que sou.
Viverei mil anos e não aprenderei
a jejuar, a deixar de exigir de Deus,
a dar a nota maior da carteira,
a não cobiçar a falsa plenitude do próximo.
Se todo homem carrega
seu deserto,
sua Via-Crúcis,
sua Terra Prometida,
quando o dedo de Deus
me ressuscitará?
(do livro Estrangeiro. Rio: Sette letras, 1997)
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