Visito meu afilhado. Levo meu afilhado no zoológico e ele sabe o nome de todos os bichos. Certa vez a gente estava na Quinta da Boa Vista. Era no meio da semana. Aquilo foi erro meu. Não se visita local público no meio da semana. O lugar fica vazio e amplo. O lugar coloca a gente debaixo de microscópio. O local público como a Quinta da Boa Vista tem que ser visitado num domingo ou feriado. E a gente se misturar com pipoqueiros, vendedores de churrasquinho, os pobres que enchem as colinas e fazem piquenique e os visitantes do Museu Nacional e povo alegre e suburbano que passeia entre os bichos e aves. Não há como se esconder num lugar tão amplo. José Altino é o nome do meu afilhado. Antes, Vicentino não queria botar o nome do filho dele de Mundiano, mas depois queria apagar tudo da antiga vida dele em Angola. Até o sotaque Vicentino queria perder a fim de que a guerra que largou em Angola não continuasse no Brasil. José percebeu minha agitação e me fantasiou de bicho.
Ele me disse Ninguém vem atrás da
gente porque agora a gente é bicho e bicho ninguém anda atrás. E a gente saiu
do zoológico em forma de cachorro e ninguém deu conta de que a gente fugia em
forma de cachorro.
Essa é a história que o menino
contava para o pai e para a mãe, para Vicentino e para Ariana, que ambos
acreditavam que a gente fugira do zoológico em forma de cachorro. Minha versão
é diferente. Ninguém me perseguia. Não consegui prova de que alguém me
perseguia a não ser minha imaginação. Mas Vicentino contava a história da
metamorfose como se realmente tivesse acontecido. E tanto contou e tanto ouvi
que chego a duvidar se não saí do zoológico em forma de cachorro. Eu tinha a
curiosidade de saber qual era minha forma de cachorro. Em que raça de cachorro
me transformara para sair do zoológico sem ser percebido. Mas isso José, o
menino com inteligência prevista por Mundiano como incisiva, não soube
explicar, embora José conhecesse todas as raças de cachorro, desde pastor
alemão até galgo e rotweiller.
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010)
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