quinta-feira, 2 de março de 2023

Outro exame médico, poema RCF

 



 

 

 

 

 

Fui ao médico

para medir meu índice de felicidade.

Medi a pressão de trabalho,

tomei contraste para as evanescências,

corri sobre uma plataforma de gente esquiva

e povo sem eira nem beira

no descaso das misérias alheias,

injetaram-me uma dose intramuscular

de desejos atônitos e desvelos inauditos,

uma mistura severa e irregular

de manias e sevícias de leituras,

deram-me os comprimidos

exaustivos e prolongados das insônias

dispersas que se encapsulam em cada letra,

retiraram-me líquidos exóticos

e humores diversos e divergentes,

aplicaram-me doses supimpas

de líquidos humorais e desatinados,

vasculharam-me o pulmão dos

desvalidos,

a fraqueza dos néscios diante dos dias

obscuros, a tintura das palavras que

sedimentam o álcool do desvario

e o espumante das desavenças,

radiografaram meu espanto e desídia,

a incúria dos dias, a incompatibilidade

das horas e as cinzas dos diálogos,

eletrocefalogramaram minha angústia

existencial, meus nervos agoniados

e destemperados na luta descontínua

de prumo e disciplina das estoicas

manhãs de inverno,

cateterizaram o coração das trevas

e uma floresta densa e árdua de

árvores derruídas e amedrontadas

pela devastação de outros homens,

e, por fim, chegaram à conclusão

de que não podem me diagnosticar,

paciente que sou do hospital

das clinicas poéticas

onde vivo internado há décadas

e sem previsão de alta.




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