quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A vida é um esquema, crônica José Ewerton Neto





Existe uma forte probabilidade de você ter sido originado de um esquema, caríssimo leitor. Duvida? Segundo uma revista científica até 7 % dos filhos, que os pais carregam orgulhosos nas mãos, não são do pai oficial. Além disso, ainda existem os adotados, os filhos de mãe solteira (às vezes, ninguém sabe quem é o pai - nem a própria mãe), os nascidos antes do casamento (a imensa maioria) etc. Enfim, o que não falta é esquema para dar vida a alguém.
Ora, se antes mesmo de vir à luz você já sofria com os esquemas: esquema para evitar que você venha ( camisinhas, pílulas etc.); esquema para dizer que seu pai é outro; esquema para arrumarem grana para lhe sustentar( chá de bebê etc.); imagine só o que não vem pela frente:

1.NA INFÂNCIA

O primeiro esquema do qual você é vítima é a tal da palmada na bunda, justamente no exato instante de sua chegada. Nessa ocasião, lhe dão uma palmada de verdade, para que você chore de mentirinha, aparentemente para que você possa respirar sem que você jamais tenha pedido ou faça questão disso. Ou seja, nem bem você começa a viver e já se depara com um esquema meio vagabundo de enganação. Haja berro!
Tendo sido introduzido nos esquemas da vida com um berro nada mais natural que você continue a usá-lo, para que o esquema agora funcione a seu favor. Se a comida não vem, berro; se a mãe não quer lhe dar peito, berro. Se ela some por alguns segundos, berro. Com menos de um ano você já é um especialista em esquema e ainda não sabe.

                                                       
        Um pouco mais grandinho, com a lei da evolução dos esquemas agindo a todo vapor, você já se aprimorou o suficiente para substituir o berro por outras enganações. O preferido passa a ser o beicinho. É beicinho para não ir à escola, beicinho para não tomar banho, beicinho para ganhar guloseimas e até beicinho para, simplesmente, chamar a atenção. Daí a rolar pelo chão e espernear, quando o beicinho não funciona, é um pulo, como também a disposição de pular para outras etapas mais audaciosas.


2.NA JUVENTUDE
A estas alturas você já tem idade suficiente – e experiência idem - para perceber que a vida não passa de uma batalha de esquemas: gente aprontando para cima de você e você tendo que reagir contra -atacando com outros esquemas. Claro, você ainda não chama esses esquemas de corrupção e acredita piamente que nem sabe o que é isso, tanto assim que você adora participar de passeatas, justamente contra ela.
Esquemas useiros e vezeiros nessa fase são: esquema para passar no vestibular sem estudar; esquema para pegar o carro do pai sem que ele saiba; esquema para dar uma fumadinha no banheiro, etc , sendo que, finda a juventude, você já entendeu que o que existe de mais prioritário nesse momento é pensar urgentemente num esquema para ganhar dinheiro sem ter que trabalhar.

É quando aparece a vocação de político.


3.NA MATURIDADE

A vocação de político não dando certo (o ‘burro’ de seu pai, péssimo em esquemas, sequer foi capaz de ter sido político para lhe facilitar a vocação), você continua se aprimorando em esquemas, agora para sobreviver. Na vida profissional: esquema para ser convidado a participar de algum esquema; esquema para puxar o saco do chefe ou esquema para puxar o saco do puxa-saco do chefe- a depender do seu posto na hierarquia. Na vida sentimental: esquema para que a parceira não venha a saber de suas amantes(ele) e esquema para fazer de conta que a gravidez é do marido ( ela).

 Embora já tenha certeza de que esquema é apenas um eufemismo para corrupção você não está nem aí para isso. “Que venha um esquemão salvador”, ainda sonha, a estas alturas do campeonato. Tem orgulho do próprio caráter e em se considerar cada vez mais um homem “esquemático”. Por sua vez, ela está se esquematizando com muito afinco para fingir que ainda é jovem - e dá-lhe cabeleireiro e botox

4.NA VELHICE

De repente, não mais que de repente e sem que disso tenha se dado conta, você se depara com uma fase em que precisa, urgentemente, de um esquema para enganar a morte. Haja cirurgias rejuvenescedoras!, Haja casar com gente mais nova (gigolôs e periguetes)!, Haja check-up mensal!, Haja propagar que seu médico lhe arrumou um esquema para enganar o Parkinson e o Alzheymer!, haja a todo custo tentar acreditar que se a vida é iludível a morte também é . Até que...

(Ah, se todos os corruptos soubessem disso. O nosso país seria, quem sabe, muito melhor):

Você acaba descobrindo que a morte, justamente ela, é incorruptível. Inapelavelmente. 

 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Morre Syd Field, autor de Manual do Roteiro




Syd Field, o professor que escreveu o livro “Screenplay: The Basics of Film Writing” (No Brasil, conhecido como “Roteiro - Os Fundamentos do Roteirismo”), referência em cursos de roteiro no mundo inteiro, morreu aos 77 anos neste domingo, em sua casa em Beverly Hills. Ele foi o criador do estilo de cinema em três atos, que se tornou tendência em Hollywood, e passou a ser chamado de “guru de todos os roteiristas”. As informações são da Variety e do Deadline.com.
De acordo com um comunicado do Raindance Film Festival, Field estava confirmado para participar do evento na última semana, em Londres, mas cancelou por problemas de saúde. Ele sofria de anemia hemolítica, e morreu na companhia de sua mulher, da filha e de amigos.
Nascido em Hollywood, na Califórnia, em 1935, ele começou sua carreira na Wolper Prods. Em 1979, já trabalhando como professor, ele publicou o livro que serviria como uma bíblia para os roteiristas, e o tornou consultor de renomados profissionais da área, como John Singleton e Kevin Williamson.

 (fonte: O Globo)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Raro acervo de cartas escritas por Carlos Drummond de Andrade


 
Poeta na intimidadeColeção de cartas e documentos de Carlos Drummond de Andrade são comprados pela fundação dedicada ao escritor em Itabira e passam a integrar acervo aberto ao público



Carolina Braga
Enviada especial

Primo do poeta e superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira, Marconi Drummond Lage destaca o conteúdo familiar do conjunto de documentos (Fotos: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Primo do poeta e superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade, em Itabira, Marconi Drummond Lage destaca o conteúdo familiar do conjunto de documentos
Lavras – No dia em que Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) completaria 111 anos, quinta-feira, os admiradores do poeta, em especial a população da terra natal, Itabira, vão ganhar um presente: a Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade acaba de adquirir um lote de documentos raríssimos. São correspondências destinadas a amigos e, principalmente, à mãe dele, escritas a partir de 1915 e que vão até 1986.

Em tempos de debate sobre a importância das biografias, o conjunto de documentos pode ser consideado uma espécie de capítulo de autobiografia, fundamental para a compreensão da vida e obra do poeta. Até então, esse tesouro estava guardado dentro de um armário. O dono era o jornalista e empresário de Lavras, no Sul de Minas, Eduardo Cicarelli. “Estou duplamente feliz. Primeiro porque não queria que essas cartas saíssem de Minas em hipótese alguma. Além disso, porque a história de Itabira agora tem um capítulo de Lavras”, diz.
Cicarelli é colecionador de selos e foi graças ao hobby que descobriu a correspondência de Drummond, há mais de 20 anos. Na verdade, foi por intermédio de um amigo, o advogado Anísio Cader, que conseguiu comprar o lote de documentos de parentes do poeta. Somente anos mais tarde soube que pertenciam a Ita, a cunhada de Drummond, que, por sua vez, herdou as cartas da sogra, Julieta Augusta, mãe do poeta.

Do Rio de Janeiro, o jornalista e empresário levou o material para Lavras com o intuito de fazer uma exposição no Instituto Brasil Estados Unidos da cidade. A mostra não vingou e ele guardou o material por 20 anos. “Se você detém essa informação e não repassa, é preferível nem ter. Chega uma hora que não dá mais para ficar atendendo jornalistas e pesquisadores”, afirma Eduardo. Quando tornou público seu desejo de vender o material, recebeu propostas de um site inglês e também de pesquisadores franceses.
“Imediatamente, fiquei alvoroçado. Não é todo dia que se encontra um lote de documentos tão preciosos, que dizem respeito sobretudo à intimidade do poeta”, conta Marconi Drummond Lage, primo do escritor e atual superintendente da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade. Pelo lote de valor inestimável entregue ontem durante cerimônia realizada em Lavras, a instituição pagou R$ 21 mil.

“São cartas endereçadas à mãe e conhecemos pouco da relação dele com ela. Com o pai, a obra traz alguns apontamentos. As cartas guardam muito sobre rotinas familiares, a saúde, o nascimento da filha, a notícia do noivado. É um manancial riquíssimo que ainda está por ser desvendado”, completa Marconi.

O lote tem 212 itens, entre cartas, fotografias, bilhetes, postais, escrituras e telegramas. O que mais chama a atenção são as trocas de afetos com a mãe, Julieta. Para se ter uma ideia da delicadeza com que se tratavam, sempre iniciava as correspondências com “Querida mamãe” e terminava com pedidos de bênçãos, uma curiosidade para o poeta de conhecido ateísmo. “Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores”, escreveu em 1948.

TIMBRADO Em geral, as correspondências foram escritas em papéis timbrados do Ministério da Educação e Saúde, onde o poeta trabalhava na época como chefe de gabinete de Gustavo Capanema. O envelope era timbrado com o nome dele. Algumas das cartas ficaram incompletas. As peças mais antigas datam de 1892 e são escrituras da família Drummond.
Com a letra do poeta, bem pequena, o que há de mais antigo é uma folha de cheque do Banco da Amizade, entregue a Ita, a cunhada. O valor em questão era 365 dias de felicidade. Em uma clara brincadeira de criança, ele assina como Carlito o documento trocado em 28 de dezembro de 1915, quando tinha 13 anos. Nos cartões de visita endereçados à família, riscava o sobrenome, uma forma de ressaltar intimidade. Uma carta para Naná, de dezembro de 1986, é o último documento assinado por ele.
Em meio a tanta raridade, há uma carta enviada ao irmão Flaviano em 1925, informando o desejo de se casar com Dolores, o que ocorreu em 30 de maio daquele ano. “Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento”, redigiu. O lote tem também o cartão que comunica o nascimento da filha, Maria Julieta, em março de 1928, assim como a foto oficial da formatura em farmácia, em 1925. Na dedicatória: “Ao meu bom pai, lembrança de um amor filial”.
Preço de um carro

  (Jair Amaral/EM/D.A Press)


Em junho de 1997, o Estado de Minas divulgou com exclusividade a existência do acervo guardado por Eduardo Cicarelli (foto). Na época, pesquisadores receberam a notícia com surpresa. O objetivo do colecionador era organizar uma exposição do material, o que acabou não sendo feito. Desde então, ele guardava as cartas na própria casa. Ele conta que na época muitos amigos o consideravam louco por ter pago o valor de um carro zero-quilômetro em um monte de cartas. “Sempre fui muito fã do Drummond”, justifica Cicarelli.

ACERVO108
cartas para a mãe

8
cartas incompletas

3
escrituras

20
fotografias

4
bilhetes

1
cheque do Banco da Amizade

Fonte para pesquisa
Assim que chegar a Itabira, o material fará parte do acervo do Memorial Carlos Drummond de Andrade. Antes de estar disponível para o público, os documentos serão higienizados e acondicionados corretamente. “Nesse processo vamos fazer a digitalização. É uma forma de salvaguardar o acervo e permitir que ele seja consultado a distância. A ideia é fazer um banco de dados”, informa Marconi Drummond. Segundo ele, com a aquisição deste lote Itabira se insere no mapa de instituições que guardam a memória do poeta, junto à Fundação Casa de Rui Barbosa e o Instituto Moreira Salles, ambos no Rio de Janeiro. O Memorial Carlos Drummond de Andrade recebe anualmente média de 11 mil visitantes. O espaço mantém exposição permanente de livros e documentos. Entre as raridades do acervo, obras traduzidas para o alemão, inglês, italiano, espanhol e holandês. Outra recente aquisição é um exemplar de Alguma poesia, o primeiro publicado por Drummond, em 1930. “Acho que o que estamos levando para Itabira é um baú de prendas, como ele mesmo fala em sua obra”, resume Marconi.
De próprio punho
3 de maio 1925

 (Jair Amaral/EM/D.A Press)

“Flaviano, abraço a todos
Vou dar-te uma notícia: pretendo casar-me no dia 30 de maio próximo futuro com a srta. Dolores Morais.
Comunicado isso, faço um convite, muito sincero e muito amistoso, tanto a ti como a Ita e crianças para que venham assistir o meu casamento.”

4 de maio 1943“Querida mamãe,
Aqui esta de novo seu filho depois de alguns dias de silencio, motivado pela trabalheira no ministério. De saúde vamos todos bem aqui nesta casa. A vida é normal, apesar da carestia de gêneros que a guerra tem determinado. Como deve saber, falta municipalmente açúcar e o governo resolveu racionar esse produto, para evitar mal maior. A quantidade de que dispomos, entretanto, é suficiente para o gasto normal. Espero que também aí a senhora não esteja privada do necessário. Se houver falta de alguma coisa, talvez eu possa ajudá-la, remetendo, por portador. Não tenha, pois, constragimento em escrever.”
De Maria Julieta para Julieta
Rio, 5 de agosto de 1943

“Dindinha,
Papai ganhou de um admirador incógnito uma rede colorida. Instalamo-la na pérgola e atualmente, o maior encanto da família consiste em munir-se de enorme provisão de biscoitos e – um livro debaixo do braço, Puck saltando atrás – deitar-se na rede.
(...) Muito obrigada por tudo, Dindinha. A senhora é um amor. E eu serei sempre a neta dedicada.
Maria Julieta”

Rio, 27 de fevereiro 1948
“Querida mamãe,
Hoje resolvi fazer-lhe uma surpresa: mandar-lhe estas fotografias, para despertar na senhora algumas saudades. Lembra-se desse lugar? Certamente que sim. É o seu antigo Colégio de Macaúbas, onde a senhora passou algumas horas de sua vida.
Continuo naturalmente sem notícias suas, mas fico desejando que elas não sejam más. Como eu desejaria fazer alguma coisa para confortá-la em sua doença! Só me resta, porém, pensar afetuosamente na senhora e desejar-lhe dias tranquilos no seu cantinho do São Lucas.
Aqui, todos bem. Abençoe a netinha e o filho e receba as lembranças de Dolores.
Todo carinho e saudades do
Carlos”
 
 
(fonte: Estado de Minas Gerais)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

A polêmica sobre biografias, Fabio Coutinho

A JABUTICABA E O CACAU



                                                                           Fabio de Sousa Coutinho

As frutas sempre tiveram uma presença fortíssima na vida dos brasileiros.  O grande poeta da paixão, Vinicius de Moraes, disse, em célebre Auto-Retrato, que suas prediletas eram, por ordem de preferência, caju, manga e abacaxi.

Entre nós, uma das frutas mais famosas, pela originalidade, é a jabuticaba, delícia que se consome às dezenas, talvez centenas, sempre que deparamos com sua generosa árvore. De tão autenticamente brasileira, passou a simbolizar, na voz do povo, as coisa boas (ou más) que só existem ou ocorrem nestas plagas.

Outra fruta muito desejada no Brasil é o cacau, que se presta à produção de uma das inescapáveis admirações nacionais, na cor e no sabor, o chocolate. A exemplo da banana, o cacau é virtuoso, engorda e faz crescer.

Um dos debates públicos mais intensos, hoje em dia, traduz-se, para alguns, em verdadeira jabuticaba: biografia de celebridades só com autorização do próprio biografado ou de seus herdeiros, conforme dispõe o artigo 20 do Código Civil. Mas o que estipula a Constituição Federal, a que o referido código se subordina, hierarquicamente? Em dois incisos do Art. 5º, o IX e o X, nossa lei maior deixa claro que o tal artigo 20 é inconstitucional, ou seja, não está de acordo com o sistema da Constituição. Esta consagra a liberdade de expressão , "independentemente de censura ou licença", e, também, prevê indenização (por dano material ou moral) aos ofendidos em situações específicas, inclusive aquelas que decorram de biografias, quando o Poder Judiciário assim entender cabível.

No tempo certo, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e defensor das liberdades, vai confirmar esse entendimento, mostrando a todos, biógrafos, biografados, herdeiros e quejandos, que a jabuticaba da prévia autorização não caiu no gosto dos brasileiros. Está podre, contaminada por haver sido plantada ao lado do cacau, que, na língua de nosso cotidiano, significa dinheiro. Aliás, a partir de agora, quem procurar saber vai encontrar mais um sentido argentário para a palavra cacau: ganância.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Não Posso Adiar o Amor , poema António Ramos Rosa






Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"





 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Carolyn Cassady, escritora da geração Beat, morre aos 90


Viúva de Neal Cassidy na vida real é a última personagem do núcleo central do romance ‘On the road" a morrer



Neal Cassady



New York Times




Carolyn Cassidy



NOVA YORK — Carolyn Cassady, escritora que entrou na história da literatura americana em 1957 como personagem no livro “Pé na estrada”, de Jack Kerouc, e décadas depois fez uma crônica de sua vida como parte da geração Beat, morreu na última sexta-feira, perto de sua casa em Bracknell, na Inglaterra. Ela tinha 90 anos. Segundo a irmã de Carolyn, Cathy Sylvia, ela entrou em coma durante uma cirurgia de retirada do apêndice.
Jerry Cimino, diretor do Beat Museum em San Francisco, chamava Carolyn de “a grande dama da geração Beat”. Ela foi uma figura central no círculo de amigos cujas viagens pelos EUA em busca de emoções e descobertas acabou imortalizada em “Pé na estrada”. Ela inspirou a pergonagem Camille, segunda esposa de Dean Moriarty, interpretada por Kirsten Dunst no filme “Na estrada”, de Walter Salles. Moriarty, por sua vez, era inspirado em Neal Cassidy, marido de Carolyn na vida real.
Para uma mulher nos anos 1940 e 1950, não era fácil viver a vida que ela vivia. Enquanto os homens, entre eles seu marido, celebravam a liberdade do sexo, drogas, literatura e da estrada sem rumos, ela alternava entre os papeis de ardente participante e adulta contraditória, que resolvia os problemas práticos do dia a dia, educava as crianças e assistia com desprezo a geração de seguinte de rapazes emulando a auto-destruição de seus contemporâneos.
Os dois livros dela, “Heart beat: my life with Jack and Neal” (1976), que se tornou um filme em 1980, e “Off the road: my years with Cassady, Kerouac and Ginsberg” (1990), corrigem de maneira sóbria o que ela considerava distorções sobre as vidas essencialmente infelizes desses homens, o poeta Allen Ginsberg, entre eles, mesmo quando perdoa as piores transgressões do marido.
“Sempre pensei como os imitadores nunca souberam como esses homens eram extremamente tristes”, ela disse em entrevista à escritora Gina Berriault, em 1972. “Pensam que eles estavam passando por momento maravilhoso — alegria, alegria, alegria — e não era nada disso.”
A esposa de Cassady nasceu Carolyn Robinson em 23 de abril de 1923, em East Lansing, Michigan, a mais jovem entre cinco irmãos numa casa que valorizava a educação vitoriana e os livros — havia mais de 2.500 em sua casa. Seu pai era bioquímico e a mãe professora de inglês.
A família se mudou para Nashville quando Carolyn tinha oito anos. Após frequentar uma escola de elite em Vermont, ela estudava artes plásticas e teatro na Universidade de Denver quando, em março de 1947, sua vida deu uma guinada após o encontro com Neal Cassidy.
Como descrito em “Pé na estrada”, ela era bonita e acanhada e tinha alguns discos de jazz; ele era charmoso, sexualmente voraz e casado. Numa rápida sucessão de eventos, Cassidy se divorciou da primeira mulher, LuAnne Henderson, e casou com Carolyn. Logo ela estava grávida, fora da universidade e começando a aventura de sua vida.
Neal Cassady, morto em 1968, foi um grande personagem literário, mas péssimo marido. Boa parte do casamento, até o divórcio em 1963, envolveu traições com mulheres e homens. Enquanto namoravam, Carolyn encontrou ele na cama com a primeira esposa e Ginsberg. Depois, ela aceitou um pedido dele para ter um caso com Kerouac. Ainda assim, em seus livros ele ressalta os esforços dele para ser um homem diferente, para cuidar da família, que chegaria a três filhos.
“Ela o via como um pai de família tentando garantir o sustento dos filhos”, diz Cimino, do Beat Museum. “Ela sabia que ele tinha outras, mas dizia ‘Eu casei com Neal para o melhor e o pior, esperava que se ele se tornasse o homem que eu queria’. Por mais que odiasse, era isso que ela era, a viúva de Neal Cassady.”
Sylvia lembra de sua casa cheia dos figurinos que a mãe desenhava como diretora artística do departamento de teatro da Universidade de Santa Clara. Em outros momentos, havia o cheiro das tintas, quando ela trabalhava como pintora. Nos últimos anos, Carolyn vivia nos arredores de Londres, se dedicando a pintura e jardinagem, e recebendo celebridades ou fãs da geração Beat.
Além de Sylvia, ela deixa outros dois filhos com Neal Cassidy, Jami Ratto e John Allen Cassady; três netos e seis bisnetos. John, batizado em homenagem a Kerouac, Ginsberg e ao pai, estava com ela na Inglaterra em seus três últimos meses vida e segurava a mão da mãe quando ela morreu, diz Sylvia.





 

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A fabulosa nova biblioteca de Birmingham




Esqueça a imagem de livros de páginas amareladas, acumulados em prateleiras poeirentas. Combinando arquitetura, inovações e raridades shakespearianas, a maior biblioteca pública da Europa em número de visitantes redefine o conceito de local de conhecimento.
Localizada a cerca de 2 horas de Londres, a nova biblioteca de Birmingham deve atrair 3,5 milhões de frequentadores por ano, de acordo com as expectativas da organização. Com wi-fi gratuito em seus 10 andares e jardins suspensos, o prédio faz parte do plano de renovação da segunda maior cidade inglesa, mas já serve como referência a outras grandes bibliotecas no velho continente.
O UOL visitou o local, inaugurado no dia 3 de setembro pela jovem paquistanesa Malala Yousafzai. A ativista, que foi levada para Birmingham para receber tratamento após ser baleada pelo Talibã por defender a educação de meninas em seu país, mora atualmente na cidade.
Em um momento em que o governo britânico tem fechado bibliotecas públicas pelo país, abatidas pela recessão, os números estimados para o espaço impressionam.
O prédio de 31 mil metros quadrados foi projeto por arquitetos holandeses para abrigar um milhão de volumes impressos – o maior acervo público no Reino Unido. Desses, 400 mil estão disponíveis para o público.
Conforme o diretor, Brian Gambles, o projeto totalizou £ 188,8 milhões (cerca de R$ 680,95 milhões) – £ 4,2 milhões (R$ 15,15 milhões) a menos do que o orçado.
"É sobretudo um local de transformação: sobre como temos transformado a vida das pessoas, com educação, e sobre como tornar uma biblioteca para a era digital", ressalta.
Após passar cinco anos trabalhando no projeto, a arquiteta Francine Houben, do escritório holandês Mecanoo, conta que tentou refletir no prédio uma cidade de população jovem e multicultural. Sua obra foi criada para desenvolver os sentidos.
"É uma ode ao círculo", explica Francine, em referência às formas circulares de diferentes elementos do edifício, como a rotunda de livros, que compreende três andares e conta com luz natural.
Não é apenas a leitura que deve atrair cerca de 10 mil visitantes por dia: o local inclui dois jardins suspensos, anfiteatro ao ar livre, área musical, biblioteca infantil e espaços para estudos com diferentes configurações, entre outros.
"Cada biblioteca é diferente. O que é único na de Birmingham é seu acervo e seu patrimônio", ressalta a arquiteta, que deve ir a São Paulo no final de outubro para uma palestra.

  • Área dedicada a Shakespeare tem 43 mil livros, incluindo as quatro primeiras coleções publicadas das peças teatrais do autor (conhecidos como "Folios") e edições raras de obras individuais impressas antes de 1709

Shakespeare no topo
A biblioteca de Birmingham conta com uma das maiores coleções de William Shakespeare no mundo. O dramaturgo inglês – nascido em Stratford-Upon-Avon, cidade na mesma região inglesa – é homenageado em um espaço histórico, remontado no topo do moderno edifício.
A sala fazia parte originalmente da segunda biblioteca da cidade, inaugurada em 1882 (após um incêndio ter destruído o primeiro prédio). Em estilo vitoriano, com painéis de madeira e gabinetes de vidro, ela foi removida inteiramente e restaurada.
Apesar de a coleção shakespeariana ter se tornado maior do que a capacidade da sala já no início do século 20, ela ainda está abrigada no prédio. São 43 mil livros, incluindo as quatro primeiras coleções publicadas das peças teatrais do autor (conhecidos como "Folios") e edições raras de obras individuais impressas antes de 1709.
As prateleiras do espaço também dispõem de outros importantes acervos, que passam por digitalização para ser disponibilizado ao público. Alguns podem ser conferidos em mesas com touch screen, desenvolvidas especialmente para a biblioteca.
Uma das preciosidades é o arquivo da empresa Boulton & Watt, o mais importante da Revolução Industrial, com cerca de 29 mil desenhos industriais da época. No catálogo online, há menção da venda de uma máquina a vapor para a cunhagem de moedas para o Brasil, em 1811.
Entre as mais de 8,2 mil publicações datadas antes de 1701, estão três livros impressos em 1479 pelo primeiro gráfico inglês, William Caxton, em perfeito estado. A edição do "Birds of America" ("Aves da América"), publicado pelo naturalista John James Audubon na primeira metade do século 19, figura entre os mais caros do mundo devido sua raridade e é um dos destaques.
Além disso, a biblioteca pública de Birmingham é a única no Reino Unido a ter uma das coleções nacionais de fotografias, com mais de 3,5 milhões de imagens.
Em outubro, o espaço deverá receber escritores renomados como Lionel Shriver (autora de "Precisamos Falar sobre Kevin" e "O Mundo Pós-Aniversário") e Carol Ann Duffy (escritora e poetisa escocesa, primeira mulher a ser indicada como "Poeta Laureado" do Reino Unido) durante o festival de literatura de Birmingham.
A expectativa é que a biblioteca se torne um novo destino turístico na região central da Inglaterra.
 
(fonte: Uol) 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Auto-retrato, poema Amneres Santiago Pereira Maurício





Eu sempre andei assim
quase absorta
quase abstrata
quase perdida

Eu sempre entristeci
quase obscura
quase culpada
quase escondida

Eu sempre amei assim
quase obscena
quase extremada
quase exaurida

Eu sempre percebi
ser esquisita
quase obtusa
quase maldita

Eu sempre fui assim
quase uma atriz
sonhando ser o amor
e ser a amada

Eu sempre fui assim
quase exaltada
quase encantada
quase feliz.





segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Viva a bobagem. O fim da literatura


Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado’, diz diretor do selo Fantasy
Autor da série de fantasia ‘Dragões de Éter’, Raphael Draccon afirma que a era dos autores reclusos acabou
‘É preciso que sua história de vida seja tão impactante quanto a que você criou’, afirma escritor carioca
Editor do selo de literatura fantástica da Casa da Palavra, Draccon participará da 16ª Bienal do Livro do Rio





O escritor carioca Raphael Draccon: mais de 200 mil livros vendidos  Leandro Bergamo / Divulgação 

RIO - A partir deste sábado, a 16ª Bienal do Livro do Rio será invadida por autores de literatura fantástica e seus fãs fervorosos. Este é o dia em que Raphael Draccon, autor da série “Dragões de Éter”, conversará com o público do Acampamento (espaço dedicado aos jovens) sobre o tema “Escritos e escritores de literatura fantástica no Brasil”, às 17h. Além de abordar o processo de criação de universos literários - como Nova Ether, habitado por bruxas e outros seres mágicos -, Draccon, que também é diretor do selo Fantasy, da Casa da Palavra, responderá à pergunta que mais ouve: como se tornar um escritor de sucesso?
- Todo mundo acha que tem uma história boa e que ela daria um livro. Então, a pergunta que o escritor deve se fazer é: “O que eu ofereço para a editora além da minha obra?”. É preciso que sua história de vida e sua personalidade sejam tão impactantes quanto a fantasia que você criou - afirma o escritor carioca.

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Com mais de 200 mil exemplares vendidos da saga “Dragões de Éter”, Draccon decreta que a era dos autores introspectivos acabou. Segundo ele, hoje, é preciso participar de muitos eventos e saber se comunicar com o leitor.
- Os adolescentes são ávidos, estão sempre passando por descobertas e questionamentos. Para eles, a literatura fantástica é uma metáfora do que está acontecendo em suas vidas. Por isso, o escritor precisa ter um conteúdo para transmitir e precisa saber se apresentar em público também - observa Draccon. - Esse autor introspectivo, que passa o dia dentro de casa escrevendo, não existe mais. Rubem Fonseca, hoje, não seria publicado. Ele é de outra escola, outra época.
Consciente da polêmica que a afirmação sobre o premiado - e, sabidamente, recluso - escritor brasileiro pode gerar, Draccon reforça a importância da comunicação na vida de um aspirante a escritor. Sua dica é que o candidato crie um público através da internet, através de blogs ou podcasts, por exemplo, antes de procurar uma editora. O próprio coordenador do selo Fantasy encerrou o recebimento de exemplares originais em seu escritório.
- Dois dias depois de anunciar a abertura do selo, já tinham chegado mais de 80 livros - conta Draccon.
O jeito é chegar aos ouvidos e os olhos do editor de outras formas.
- Participo de eventos de literatura de fantasia no Brasil todo e estou sempre acessível na internet. Se o cara ainda não chegou até mim, é porque ele não está pronto para o mercado - diz.
Mas esse é só o primeiro passo. O segundo estágio é ter todos os seus perfis na internet minuciosamente analisados por Draccon e a equipe de redes sociais da Casa da Palavra.
- Fazemos uma varredura da vida online da pessoa. Se houver um post sequer dela falando mal de outro autor ou comprando briga na internet, ela é cortada na hora - avisa.
Essa é a postura de um expoente do seguimento literário que cresceu graças à união entre seus autores. Não é à toa que Draccon e os colegas Eduardo Spohr (“A batalha do apocalipse”) e André Vianco (“Os sete”) se tornaram conhecidos como “a santa trindade da literatura fantástica brasileira”. E os três continuam chamando novos autores para integrarem sua rede.
- Preferimos nos unir do que competir. Assim, um divulga o livro do outro - justifica o criador de Nova Ether, que conheceu sua mulher, a também autora de livros de fantasia Carolina Munhóz, através do amigo Spohr. - Ele descobriu o talento da Carolina para a literatura e nos apresentou. De padrinho dela, me tornei marido.
Carolina também conversará com o público da Bienal neste sábado, às 15h, no pavilhão Verde do Riocentro. No dia 7, a vez será de Eduardo Spohr e André Vianco assumirem os microfones, às 16h30 e 18h30, respectivamente. A entrada custa R$ 14 (tem meia).

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Paixão encadernada, Humberto Werneck




Já não me lembro que livro ia pegar no alto da estante quando minha atenção foi sequestrada por aquelas encadernações em que há muito não tocava. Só sei que ali fiquei por um bom tempo, no último degrau da escadinha, a folhear quatro romances de F. Scott Fitzgerald, paixão literária que me acompanha desde o final da adolescência. A ela sou fiel, e continuo achando que este é dos raros escritores a cuja magia verbal nenhum filme fez ou fará justiça inteira.

Mas não era nisso que eu pensava enquanto lambiscava os livros - os mesmos exemplares que depois de devorar, aos 18, 19 anos, julguei indispensável fazer encadernar em percalina verde, o máximo que alcançavam meus bolsos rasos de estudante, sem esquecer de pedir iniciais minhas nas lombadas, na certeza de que aquelas caprichadas edições da Civilização Brasileira me acompanhariam vida afora. Posso não ter tirado o melhor proveito, mas me consola o uso que delas fez, de carona, meu comparsa Jaime Prado Gouvêa, o refinado fitzgeraldiano contista de Fichas de Vitrola e romancista de O Altar das Montanhas de Minas.
Quando dei por mim, estava acomodado no sofá, onde varei a tarde entre as páginas de Este Lado do Paraíso, Belos e Malditos, O Grande Gatsby e Suave É a Noite. Comecei revisitando enredos e personagens, mas não tardei a me ver encalhado em algo que é de Fitzgerald, mas também meu: as marcas da caneta com que, no pique da juventude, fora grifando achados, encantado - e, ao mesmo tempo, humilhado, ao constatar que alguém, antes de mim, pusera em palavras sutilezas que (eu não deixava por menos) tinham tudo para ser da minha lavra. Valeria a pena, aqui ao rés do chão, escrever o que quer que fosse, depois de ter o Fitzgerald espetado no papel tantas frágeis, fortíssimas borboletas?
Essa foi minha viagem naquela tarde: reencontrar as pedrinhas com que eu, Joãozinho e Maria no bosque da literatura, assinalei meus passos inaugurais no universo de um artista de primeiríssima grandeza, num tempo em que, como o Amory Blaine de Este Lado do Paraíso, ainda "caminhava sobre as almofadas de ar que se estendem sobre o asfalto, aos 14 anos". A caneta do garoto sublinhou a pérola, claro, e muitas outras, entre elas esta sábia advertência: "Não há dádiva mais perigosa à posteridade do que algumas trivialidades ditas com inteligência". Tanto quanto Amory, e talvez mais pretensioso, eu me considerava nada menos que "o produto de um espírito versátil em meio de uma geração inquieta". Pois sim...
Em Suave É a Noite, me identifiquei, quem duvidaria?, com o charmoso psiquiatra Dick Diver nos momentos em que "se via naquele dilema dos moços, quando se deve decidir se vale ou não a pena morrer pelas coisas em que não mais acreditamos", ou na passagem em que se julgou "feliz por ter uma existência, nem que essa existência fosse apenas um reflexo nos olhos úmidos de Nicole", a linda paciente com quem se casara.
Senti dilacerante inveja de Fitzgerald, capaz de sacar que "às vezes é mais difícil a uma pessoa privar-se de uma dor do que de uma alegria", ou que, também às vezes, "a vastidão de um assunto só pode ser condensada numa mentira". Como Nicole, o jovem leitor de Suave É a Noite gostaria de sentir-se "apenas um conjunto de diferentes pessoas simples".
De O Grande Gatsby, nem precisaria ter rabiscado o livro para me lembrar agora, já na primeira página, que "um certo senso de decência fundamental é concedido ao homem, desigualmente, ao nascer", e, na última, que ao fim e ao cabo "prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado".
Tendo relido seus grifos de rapaz, resta ao encanecido senhor percorrer de ponta a ponta os livros que tanto o fascinaram na juventude, e não só os de Fitzgerald, à procura, desta vez, das pepitas pelas quais passou, em idades nem tão verdes, sem se dar conta do que lhe era oferecido. Não há releitura de Drummond que não dê a espetada: quem era eu, nas viagens anteriores, que não vi tamanhas maravilhas? O fecho de Versos À Boca da Noite, por exemplo, em que o poeta fala de "uma inteligência do universo comprada em sal, em rugas e cabelo". É o que quero para mim. O preço, pelo menos, já paguei.




(fonte: Estadão)


 

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O primeiro centenário de Vinícius de Moraes, Fabio Coutinho










EU NÃO EXISTO SEM VOCÊ


Uma das grandes injustiças que se cometem contra Vinícius de Moraes, talvez a maior, é referir-se a ele como "poetinha". Por mais que se lhe pretenda atribuir conotação afetuosa, o tratamento fica muito aquém de refletir a dimensão intelectual, humana e cultural do formidável escritor carioca.

Nascido na Rua Lopes Quintas, no bairro da Gávea, em meio a forte temporal, na madrugada de 19 de outubro de 1913, Vinícius teve seus contatos iniciais com a poesia e com a música no seio da própria família. Seu pai, Clodoaldo, era poeta e sua mãe, Lydia, tocava piano, circunstâncias que encontraram, no primogênito dos Moraes, território fértil e inesgotável potencial.

Aluno dos jesuítas, no Colégio Santo Inácio, Vinícius de Moraes ali desenvolveu sólida amizade com seus colegas Paulo e Haroldo Tapajós. Com eles, ainda de calças curtas, compôs suas primeiras canções, executadas em festas e saraus familiares e de vizinhança.

Em 1930, ingressou na célebre Faculdade de Direito da Rua do Catete, onde se associou ao CAJU, Centro Acadêmico de Estudos Jurídicos e Sociais, que reunia uma verdadeira plêiade de jovens futuros bacharéis, com destaque, além do próprio Vinícius, para San Tiago Dantas, Octávio de Faria, Thiers Martins Moreira e Plínio Doyle. Todos, sem exceção, viriam a ser, tempos depois, figuras de projeção nacional, em suas respectivas esferas de atuação.

Data do ano da formatura de Vinícius, 1933, a edição de seu primeiro livro de poesia, O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA. A ele se seguiram o premiado FORMA E EXEGESE (1935) e ARIANA, A MULHER (1936), que também estampavam a influência do pensamento transcendental, místico e cristão na formação estética do poeta. Ao organizar sua ANTOLOGIA POÉTICA, em 1954, Vinícius de Moraes nela incluiu apenas um poema do pioneiro O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA, o belíssimo "A uma mulher":

(...)

Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade."

É de 1943, quando Vinícius completou 30 anos de idade, o livro CINCO ELEGIAS, amplamente considerado uma das mais relevantes obras da moderna poesia brasileira. Nessa época, ingressou, por concurso, na carreira diplomática, passando a viver longos períodos no exterior, em missões permanentes (Los Angeles, Paris, Montevidéu).

Em paralelo, intensificou a produção poética e tornou-se, sobretudo, um extraordinário letrista, compositor e autor teatral. Sua consagração nesse segmento das artes veio com a peça musical ORFEU DA CONCEIÇÃO, encenada em 1956, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para uma atenta, entusiasmada e sempre crescente plateia.

Com a implantação da ditadura militar que se seguiu ao golpe de Estado de 1º de abril de 1964, Vinícius de Moraes sofreu intensa perseguição política em sua repartição funcional, culminando com truculenta expulsão do serviço público, juntamente com outros colegas diplomatas, após a decretação do famigerado AI-5, de 13 de dezembro de 1968.

Dedicou-se, a partir de então, em regime integral, à vida artística, criando algumas das mais lindas pérolas da música brasileira, a exemplo da que serve de título deste artigo. Teve vários parceiros de peso, sendo o principal deles o genial Tom Jobim, autor de um depoimento sobre Vinícius que encerra síntese lapidar, datado de abril de 1959 e publicado na contracapa do disco POR TODA MINHA VIDA, de Lenita Bruno:

"Vinícius de Moraes é um grande poeta. No entanto, isto não é condição para se fazer uma bela letra. Uma palavra, além do sentido verbal, tem uma sonoridade e um ritmo. Só um indivíduo como Vinícius, que conhece a música da palavra, que poderia ter sido um músico profissional, poderia ter feito as letras que fez.

Vinícius é o poeta que sabe comungar com um crioulo de morro e bater um samba com a faca na garrafa. Educado em Oxford, diplomata em Paris, triste em Strasburgo, escrevendo "Pátria Minha" em Los Angeles, falando muitas línguas e sem deixar que se perceba isto, é sempre o homem que vê o lado humano das coisas.

A versatilidade do meu amigo é espantosa: - tanto compõe um samba de morro ("Eu e o meu amor") como uma valsa romântica e sinfônica ("Eurídice") ou ainda uma "Serenata do Adeus"; tanto escreve um soneto ("de Fidelidade" ou "de Separação") como uma "História Passional, Hollywood, Califórnia" -; faz cinema, faz teatro e escreve crônicas deliciosas. Tem o sentimento nato da forma que transcende o que possa ser ou foi aprendido.

Estas são umas poucas facetas do poliedro cujo número de faces tende para o infinito e que se chama Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes."

Na passagem do primeiro centenário de seu luminoso nascimento, Vinícius de Moraes é sobejamente merecedor da admiração generalizada de seus patrícios e de milhões de estrangeiros, de múltiplas gerações. Sua obra se incorporou definitivamente à nossa fisionomia cultural. Vinícius não passará. Será, daqui a séculos, uma expressão do Brasil.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O silêncio dos intelectuais, Fabio Coutinho


foto: Estadão
                                                                                       

As grandiosas manifestações das duas últimas semanas, em centenas de cidades brasileiras, nos oferecem a oportunidade ímpar de ouvir a voz ao povo devida, de participar civicamente, de engrossar as fileiras de uma causa moderna, consequente e bela.

No caso dos intelectuais (aí incluídos os escritores), é a hora não só de refletir, como, de resto, devemos fazer em caráter permanente, mas também de transitar do pensamento à ação, de justificar sem reservas nossa designação genérica de atores do processo histórico, à medida que escrevemos, publicamos e almejamos ser lidos.

Se a opção preferencial for pela permanência na torre de marfim, pela eloquência de um silêncio obsequioso e narcísico, o trem da história passará, e correremos o risco de perder uma viagem que nos levaria a ser contemporâneos do futuro, ou seja, da sociedade consciente, justa e igualitária que é a estação final realizadora, na plenitude, do inestimável dom da vida.

Como escreveu Eça de Queirós, gigante entre os maiores, em seu formidável livro de reflexões NOTAS CONTEMPORÂNEAS, "a igualdade é decerto a maior evidência da civilização." Para obtê-la em toda a extensão, impõe-se a humildade dos gestos participativos e solidários, base de todas as grandes conquistas da humanidade.


 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Dia das mães mortas, poema RCF


 

 

Amanhece no país do esquecimento,
há muita brancura
no país algodoado das lembranças.
Teus olhos, turvados de lágrimas,
estariam inquietos e miúdos,
como se fossem dois corações verdes,
à espera do telefonema que não virá
por dois mortais motivos:
não se telefona para os mortos,
não se lembra dos mortos.
O dia é para mães vivas.
Não podes ser cremada da lembrança
dos homens, nem hoje nem sempre.
O inferno dos dias
e o comércio das emoções
te deixaram atônita
sem entender a razão de
no primeiro ano de tua morte
não receberes o telefonema
no teu dia das mães mortas.



 (Memória dos porcos, 2012, 7Letras)

quarta-feira, 12 de junho de 2013

40 anos sem Neruda, Fábio Coutinho




Pablo Neruda morreu em 23 de setembro de 1973, doze dias após o golpe imoral e sanguinário que esmagou a democracia no Chile e humilhou o povo chileno. Democrata desde sempre, não haveria de suportar a tutela fardada que se imporia aos destinos de seu país pelos dezessete anos que se seguiram à brutal quartelada fascista de 11 de setembro.
Já doente, a perpetração golpista acelerou-lhe a partida, por conta de intenso processo de somatização que adveio naqueles dias de lembrança tão triste. Abraçou, então, rapidamente, a "indesejada das gentes", na expressão de outro imenso bardo de nosso continente, Manuel Bandeira (que recebeu Neruda, em 30 de julho de 1945, numa sessão memorável da Academia Brasileira de Letras).
Nascido em 1904 e batizado Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, adotou o pseudônimo literário de Pablo Neruda em 1920, aos 16 anos de idade, numa homenagem declarada ao poeta e contista tcheco Jan Neruda (1834-1891), por quem o chileno nutria enorme admiração. Sua vida de escritor e pacifista foi dividida, a par e passo, com uma carreira diplomática que o levou a representar o Chile nos mais diversos países, culminando com o importante cargo de Embaixador na França, seu último posto.
Intelectualmente consagrado logo a partir de seus primeiros livros de poesia (VINTE POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA, por exemplo, é de 1924), Neruda mereceu, no auge da maturidade, aos 67 anos, o Prêmio Nobel de Literatura, que a Academia Sueca lhe outorgou em 1971. Curiosamente, não foi o primeiro poeta de sua terra a receber o incomparável galardão: antes dele, Gabriela Mistral, em 1945, fora agraciada, por igual com inteira justiça.
Pablo Neruda foi um grande sedutor, um consumado fazedor de amizades imorredouras. No Brasil, foram seus amigos, além do já citado Manuel Bandeira, o casal Jorge Amado e Zélia Gattai, Vinícius de Moraes, Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ferreira Gullar, Thiago de Mello e tantos outros escritores de elevada estirpe, todos prontos e dispostos ao convívio encantador do vate chileno, que nos visitou em várias ocasiões.
A partir de 1990, com a reinstauração do regime democrático no Chile, as casas de Neruda, em Santiago e em Valparaíso, saqueadas e vandalizadas em seguida ao golpe militar de 1973, foram recuperadas e abertas ao público, na condição de monumentos nacionais. Atualmente, hordas de turistas e visitantes de todo o mundo acorrem a essas residências, em gesto coletivo de engajada simpatia e de reverência cultural ao poeta da paz e à governança da poesia.
No marco dos quarenta anos da morte de Neruda, acabo de reler, com muita saudade, seu esplêndido livro de memórias, CONFESSO QUE VIVI, e, também, algumas de suas principais obras poéticas. De uma delas, O CORAÇÃO AMARELO, extraí o poema que ilustra e encerra este elogio de leitor apaixonado, na tradução de Olga Savary, uma das mais altas vozes femininas da lírica brasileira contemporânea:
FILOSOFIA
Fica provada a certeza
da árvore verde na primavera
e do córtex terrestre
- alimentam-nos os planetas
apesar das erupções
e o mar nos oferece peixes
apesar de seus maremotos-
somos escravos da terra
que também é dona do ar.
Passeando por uma laranja
eu passei mais de uma vida
repetindo o globo terrestre
- a geografia e a ambrosia-
os jogos cor de jacinto
e um cheiro branco de mulher
como as flores da farinha.
Nada se consegue voando
para se escapar deste globo
que te aprisiona ao nascer.
E há que confessar esperando
que o amor e o entendimento
vêm de baixo, se levantam
e crescem dentro de nós
como cebolas, azinheiras,
como tartarugas ou flores,
como países, como raças,
como caminhos e destinos.
 
 
 

sábado, 4 de maio de 2013

Um homem é muito pouco - 6





Dois meses depois, Clemente voltava de uma viagem à Europa. Trouxera presentes para Yolanda e para Aninha. A menina ia crescendo rápido. Clemente pensava nela com tristeza. Pensava que o corpo vadio do pai conseguira lhe dar vida e alegria, enquanto ele, com o corpo forte de marujo, não conseguira dar vida a ninguém. Clemente desconfiava até mesmo se dava vida a si próprio.

Se Josué não conseguira passar a sífilis para Yolanda, ele conseguira passar o que agora chamava de o mal de Bremen para a mulher. Yolanda também se culpava por não ter dado vida à menina que gerara e prometera a Clemente que lhe daria outro filho, saudável e completo, porque estava cansada das coisas pela metade.

Toda sua vida foi pela metade. Não tivera a presença da mãe que lhe enfiara num colégio de freiras, o que era também metade. Não tivera muitos namorados. O pai, severo e conservador, todas as férias a mandava para a Europa a fim de se educar e de polir a cultura, mas Yolanda via aquilo como uma maneira de controlá-la e de mantê-la afastada do mundo da Tijuca, do Rio de Janeiro, dos colegas do colégio e dos amigos do clube. Aquilo também era outra metade. E então quando vinha a ter outro filho, depois de Aninha, o filho que lhe nascia era uma metade. E, pior de tudo, metade que não sobrevivera.

Yolanda não soubera exatamente como era a mãe dela. A mãe, essa metade do casamento dos pais, era mulher fechada, bela, dura, exigente e de nervos fracos. Ficava trancada vários dias, vivia adoentada dos pulmões e das pernas, sem exatamente se saber se tinha tuberculose ou se era avariada de doença congênita ou se as doenças não passavam de invencionice para não dormir com o marido e para que não pudesse ir com ele às recepções, teatros, cinemas, viagens, conferências, solenidades.

O pai tinha amante, mas Yolanda não se importou que o pai tivesse amante. Uma amiga de colégio queria se matar porque descobriu que o pai tinha amante. Mas Yolanda até mesmo gostou de saber que o pai era um sujeito normal e que a mãe é que o jogara nos braços da amante. Ela nunca se lembrava de carinho da mãe. A mãe não tinha mãos. A mãe a olhava como estranha. No café da manhã olhava para Yolanda e era como se olhasse para uma estranha, quase dizia o que esta menina está fazendo na mesa? A mãe não tinha mãos e também não tinha braços. Nunca recebeu um abraço da mãe. A mãe também não tinha lábios, nunca recebeu beijo da mãe.

Quem ia assistir às peças do colégio em que ela representava era a amante do pai, Juliana, moça pobre, mas culta, que dava aula no subúrbio e lia em francês. Foi Juliana quem lhe apresentou Rimbaud, mas um Rimbaud suave e juvenil, o Rimbaud de Le dormeur du val. Yolanda ficou encantada, pensava que Clemente era apenas cozinheiro da Marinha, grosseirão e pobre, mas como Juliana, a professora amante do pai que dava aula no subúrbio, ele também havia lido o Rimbaud de Le dormeur du val. Tanto fazia ser Juliana ou ser um boneco de madeira que estivesse na plateia, o importante é que alguém estava ali para ver a representação dela. E Juliana era mais que boneco de madeira, porque boneco de madeira não tem pernas grossas, não fala francês, não tem cabelos cheirosos e caindo em cachos pelos ombros, não abria as pernas jovens para que o pai dela a penetrasse.

A mãe vivia no quarto escuro e levava o quarto escuro para todos os lugares. Juliana não tinha problemas com as pernas que eram grossas, delgadas, afrancesadas. Juliana não tinha os nervos fracos, para pegar lotação e ir dar aula de francês no subúrbio, ela necessitava de ter nervos fortes, duros, rijos. Juliana também não carregava pulmões fracos, com pulmões fracos ela não podia fumar os cigarros Gauloises que o pai de Yolanda mandava vir da França.

Numa certa tarde, Yolanda e Clemente foram visitar Juliana na casa dela em Botafogo. Era uma rua transversal, arborizada, se podia ouvir canto de pássaro e a casa, de um único piso, parecia vir de outro século. Embora de linhas retas, tinha uma varanda com bordados de ferro e balaústres de madeira, o que desgostava a dona da casa. Acreditava que a madeira, como os humanos, carregavam humores e trabalhavam tanto na seca quanto na água exagerada dos meses de chuva.

Juliana havia tido filho de um francês.

O pai de Yolanda, ao morrer, deixou no testamento a casa de Botafogo. A mãe de Yolanda nunca comentou o fato e se alguma vez o fizesse diria que era normal um patrão generoso como o marido ter deixado para a secretária de quase toda a vida – o que não era verdade – um reconhecimento do seu trabalho, principalmente nas épocas difíceis e na adversidade da doença.

O filho francês de Juliana tinha a cara do pai dela.

O filho francês de Juliana tinha os olhos brasileiros do pai dela, tinha os cabelos brasileiros do pai dela, tinha o nariz brasileiro do pai dela.

O namorado francês que Juliana conviveu durante um ano em Paris, nunca ninguém o conheceu, nem mesmo por fotografia. Yolanda pedia para ver o pai do filho de Juliana e ela desconversava. Por fim Yolanda se convenceu de que o filho de Juliana era seu irmão e que não iria nunca mais tocar no assunto. Passou a ter carinho especial pelo meio-irmão, dava-lhe presente, queria que ele convivesse com a sobrinha, ou seja, com a filha de Yolanda, Aninha, e sempre visitava Juliana, que a recebia com chá, bolo e petit fours que aprendera a servir depois de sua estada na França. Juliana continuava a dar aulas de francês, fazia traduções para editoras de livros de medicina.

Tanto se especializara que conhecia doenças e tratamentos, remédios e diagnósticos em português e em francês. Aprendera muito da língua francesa e aprendera muito de medicina. Só não sabia o que fazer com seu aprendizado de medicina. Não queria fazer faculdade e ser médica e cada vez mais se tornava a tradutora preferida da editora e de outras também que a queriam em seu quadro. Yolanda presenteava o irmão que tinha quase a idade de sua filha e acompanhava Juliana para muitos lugares que o marido, devido ao acúmulo de trabalho e por seu temperamento, recusava-se a ir.

 

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Gonzaga ganha edição da Academia Brasileira de Letras


                       

               

            A Academia Brasileira de Letras (ABL), com o apoio da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, acaba de lançar o livro Tomás Antônio Gonzaga, que reúne uma antologia com excertos dos melhores poemas do poeta e um estudo biográfico-crítico preparado por Adelto Gonçalves, doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), sua tese de doutorado.

            Tomás Antônio Gonzaga, patrono da cadeira 37 da ABL, é o volume nº 56 da Série Essencial, que se propõe a oferecer informações básicas sobre cada um dos ocupantes das 40 cadeiras da Academia ao longo da História, bem como sobre os patronos da instituição. Acompanhados de sucinta antologia, os volumes, sob responsabilidade de acadêmicos ou de especialistas, pretendem atingir um público amplo e diversificado e despertar no leitor o interesse de se aprofundar no conhecimento da obra de todos aqueles que tiveram seus nomes para sempre vinculados à ABL.      

            Nascido no Porto, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), autor de Marília de Dirceu, a coleção de poemas líricos mais popular da literatura de Língua Portuguesa, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra e exerceu, entre outras funções na magistratura, o cargo de ouvidor-geral da comarca de Vila Rica, Minas Gerais, de 1782 a 1788. Em 1789, já fora do cargo, foi alcançado pela devassa aberta para apurar denúncia de conspiração para a derrubada do governo do capitão-general visconde de Barbacena, a chamada Inconfidência Mineira.

            Detido, Gonzaga foi encaminhado para a fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Da prisão, pediu a um amigo que levasse para Lisboa os originais da Marília de Dirceu, que saiu à luz em 1792 pela Tipografia Nunesiana. Naquele ano, seria condenado a degredo na Ilha de Moçambique, na costa oriental da África, onde exerceria funções na magistratura, como a de promotor de defuntos e ausentes. Quando morreu aos 65 anos, era juiz da alfândega. Na Ilha de Moçambique, casou-se com Juliana de Sousa Mascarenhas, filha de Alexandre Roberto Mascarenhas, escrivão da ouvidoria-geral desde 1775 e tabelião público. Na África, Gonzaga comporia alguns versos e “A Conceição”, poema épico inspirado no naufrágio do navio Marialva em 1802, cujos originais (em parte) estão hoje na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

                                                           O autor

            Adelto Gonçalves (1951), jornalista, autor do estudo biográfico-crítico, é também mestre na área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela USP. É professor titular da Universidade Santa Cecília (Unisanta), no curso de Jornalismo, e da Universidade Paulista (Unip), no curso de Direito, ambas em Santos-SP.  É também professor de Literaturas Portuguesa, Brasileira e Africanas de Expressão Portuguesa.

            Sua estreia na literatura deu-se em 1977 com o livro de contos Mariela Morta. Em 1980, foi um dos ganhadores do Prêmio Nacional de Romance José Lins do Rego, da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, com o livro Os Vira-Latas da Madrugada, publicado em 1981. Em 1986, obteve o Prêmio Fernando Pessoa da Fundação Cultural Brasil-Portugal, do Rio de Janeiro, participando do livro Ensaios sobre Fernando Pessoa com o trabalho “O ideal político de Fernando Pessoa”.

            Conquistou os prêmios Assis Chateaubriand de 1987 e Aníbal Freire de 1994, ambos da ABL. Em 2000, com Gonzaga, um Poeta do Iluminismo, ganhou o Prêmio Ivan Lins de Ensaios da União Brasileira de Escritores e da Academia Carioca de Letras. Em 1997, publicou o livro de ensaios e artigos Fernando Pessoa: a Voz de Deus (Santos, Universidade Santa Cecília).

            Em 1999, publicou o seu primeiro livro em Portugal: o romance Barcelona Brasileira (Lisboa, Editora Nova Arrancada), que saiu no Brasil em 2002 pela Publisher Brasil, de São Paulo. Barcelona Brasileira e Os Vira-Latas da Madrugada fazem parte do “ciclo de romances de identidade portuária” e são estudados em vários dos ensaios reunidos em Esquinas do Mundo: ensaios sobre História e Literatura a partir do Porto de Santos (São Paulo, Dobra Editorial, 2013), do historiador Alessandro Atanes, mestre em História Social pela USP.

            Em 2003, Gonçalves publicou pela Editorial Caminho, de Lisboa, Bocage – o Perfil Perdido, seu primeiro trabalho de pós-doutorado, para o qual obteve bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp). Escreveu em 2010-2011 Direito e Justiça em Terras d´El Rei: ouvidores, juízes de fora, juízes ordinários e vereadores em São Paulo colonial (1709-1822), com bolsa da Unip, seu segundo trabalho de pós-doutorado, ainda inédito.

            Jornalista desde 1972, trabalhou em O Estado de S. Paulo, Empresa Folha da Manhã, Editora Abril e A Tribuna, de Santos, tendo sido correspondente da revista Época em Lisboa em 1999-2000. É colaborador desde 1994 da revista Vértice, de Lisboa. Escreve regularmente para o quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e Jornal Opção, de Goiânia. É sócio-correspondente da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil) e assessor cultural e de imprensa do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen, de São Petersburgo, Rússia.

            Escreveu prefácios para dois livros de contos de Machado de Assis publicados em 2006 e 2007 pelo Centro Lusófono Camões da Universidade Hertzen em edição bilingue russo-portuguesa, com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Participou do livro Studi su Fernando Pessoa, publicado em 2010 por Edizioni dell´Urogallo, de Perugia, Itália, com o ensaio “Ambiguità e ossimoro: simboli dell´universo e del mistero in Fernando Pessoa” (“Ambiguidade e oximoro: símbolo do universo e do mistério em Fernando Pessoa”). Participou com o ensaio “O feminismo negro de Paulina Chiziane” do livro Passagens para o Índico: encontros brasileiros com a literatura moçambicana, de Rita Chaves e Tania Macêdo, organizadoras (Maputo, Marimbique, 2012).

            Também colabora com as revistas Colóquio/Letras, de Lisboa, Forma Breve, da Universidade de Aveiro, Revista Brasileira, da ABL, Revista do Centro de Estudos Portugueses (Cesp), da Universidade Federal de Minas Gerais, Cultura – Revista de História e Teoria das Ideias, do Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, e Revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), entre outras, além de escrever para sites e revistas eletrônicas do Brasil, Portugal e Moçambique.

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Tomás Antônio Gonzaga, de Adelto Gonçalves. Rio de Janeiro/São Paulo: Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 68 págs., 2012, R$ 10,00. E-mail: livros@imprensaoficial.com.br