segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Foice que fatia o ar, poema RCF










O corpo se executa
na tarefa da exatidão,
mostra-se curva e linha,
curva que não entorta,
linha que é o caminho mais curto entre dois corpos.
Sabe Deus também escrever
por linhas cartesianas,
e, na sua cerâmica sabedoria,
esculpir o zero do barro e o absoluto do vazio,
sendo o artesanato do barro
a tua presença que tudo preenche,
sendo o absoluto do vazio
a tua presença de sopro que dá vida ao vácuo.



(Eterno passageiro, Ed. Varanda, Brasília, 2004)

imagem: Karl Schimidt

 

sábado, 6 de dezembro de 2025

A maldição do branco, poema

 










 

 

 

 

 

Estamos

parados numa estação de frio

e de descampados secos,

a vista escorre

pelo capacho marrom

feito de terra,

matéria esquiva e

o desassossego das janelas

cujo vapor não deixa que se veja

os campos errantes lá fora.

 

Sobreviveremos

às chegadas imprevistas,

a estação não dará

o canto miúdo das flores,

o tapete salsaparrilha do outono,

nem o forno dos suores da juventude

e muito menos

o cinzento livro de ponto

com suas entradas e saídas

da maldição do branco.

 

 

 

 

 

 


quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

O viúvo, 2º capítulo



Resultado de imagem para vivian maier






    Não sou dos que pensam que a noite apazigua. Mesmo protegido, a sensação é de que há um furto qualquer e que a noite está cheia de roubos que se perpetuam sem que se saiba o quê exatamente foi roubado. Sonhei com ela de forma diminuta. É a vontade que tenho de diminuí-la, digo logo, ela que é tão gigantesca para mim. Então no sonho ela tem o tamanho e a espessura de um cartão de telefone. Coloco-a no bolso da camisa.
     Ando com ela pela cidade. Entro num armarinho que em vez de ilhoses, zíperes, botões e colchetes, vende apenas pernas, mãos, braços e pés mecânicos. O senhor deseja algo, posso ajudá-lo? pergunta o senhor careca com forte sotaque alemão. É o gerente da loja. Enquanto fala comigo esfrega ansioso as mãos. Os lábios são constantemente umedecidos pela língua. Encaro aquilo como licenciosidade. Recuo dois passos, olho para trás, não existe mais a porta por onde entrei.
    O armarinho se transforma em imenso galpão e as pernas, pés, mãos e braços mecânicos passam a ser de carne. Estão pendurados como num açougue. Toda a movimentação é de matadouro. Esteiras, ganchos, operários de jaleco e barrete cortam, examinam, selecionam pedaços de gente. Ela, como está no meu bolso, sente meu coração bater mais rápido e pergunta se estou nervoso.
    – Você está nervoso, meu bem.
    – E não era para estar?
    – Eu, ao teu lado, não te dou paz.
    – Esta é a maneira de estar ao meu lado?
    –Fica calmo.
    – Este homem é um maluco.
    – Que homem?
    – O alemão.
    – E por quê?
    – Não está vendo?
    – Sei, pelos membros expostos.
    – São restos de pessoas, é carne humana, e você acha tudo natural. Estou num matadouro, açougue, frigorífico ou coisa que o valha e tudo aqui é perna, coxa, pedaços de gente e você acha tudo isso natural?
    – Você se escandaliza com tudo.
    – E não é para me horrorizar?
    – O horror está aqui.
    – Aqui onde?
    – Em casa.
    – Em casa?
    – Olha as frestas.
    – Que tem as frestas?
    – É uma forma de corte.
    – As rachaduras na parede então são cortes como um corte na pele, é isso que você quer dizer?
    – Os cortes...
    – Você diz as rachaduras.
    – As rachaduras são daninhas e nervosas.
    – É um apodrecimento das paredes.
    – Não, é uma forma das paredes respirarem.
    – Se você meter a mão vai esfarelar tudo. A umidade estragou a parede.
    – Não é umidade. A parede sua. 
    – Ah, a parede sua.
    – E outra coisa.
    – Diga.
    – A casa é um grande intestino.
    – Ora, me deixe.
    – Quando acontecem as rachaduras é um pouco do intestino também das paredes que quer sair pra fora.
    – Me deixe em paz.
    – Você já está em paz.
    – Desde que você se foi que não tenho mais paz.
    – Não seja sentimental.
    – E você sabe disso.
    A sujeira está sempre em carne viva. Os lençóis são redundantes. Eles têm o meu cheiro. Então me sinto em mim, deito sobre mim, cheiro-me, empapo-me do que sou, do suor do bicho gosmento que à noite rumina. O que em mim rumina não é coisa aproveitável, é o bolo gástrico do pensamento que não me deixa dormir, faz insones as paredes, dá voz à pia. Quando D. Benedita não está aí não entro na cozinha porque posso ser tragado pela fedentina da casa. Todo meu lixo é orgânico. Não existe casca de laranja ou a laranja mesmo. O que está ali é um pouco da boca que a chupou. Do estômago embrulhado que a deglutiu. Sou um animal gorduroso e fescenino, por isso não gosto do bicho cozinha que pode me engolir e não me vomitar mais.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Fábio Lucas sobre Um homem é muito pouco













































"O leitor de Um homem é muito pouco (São Paulo, Ed. Nankin)já sabe que o escritor é competente e se prepara para a trama que se complica logo a seguir. Eis o ficcionista imaginoso, que não abandona o espaço empírico, o chão concreto no qual a imaginação criadora campeia. A ação dramática se emoldura sem descuidar da autenticidade diegética."
Fábio Lucas












domingo, 30 de novembro de 2025

O mar e o tempo, poema

 



 

 

 

 

Aqui as traineiras

só sabem dos desvios

do pequeno mar do porto

pois se recusam a sonhar o grande oceano.

 

Dos galhos

da árvore do tempo,

penduram-se

culpas inchadas e maduras,

imersas no apodrecimento lento.

 

Ouvem-se os gemidos das portas,

e logo tudo se cala.

A madeira do silêncio

se estende e se oferece.

 

 

 

 

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Vieira na ilha do Maranhão, lançamento romance








Vieira sentava-se à mesa rústica e pouco eclesiástica com Bettendorff, Carcavaz e José Cintra, numa assembleia por demais extravagante para padres pouco excessivos, ausentes do vício da gula alimentada pelos gorduchos carmelitas ou os glutões mercedários. O leitão em sua frente fora doado por António Porqueiro. Não havia talhares e o arroz da terra, miúdo e fracionado, escuro, estava empapado em cuias. Vieira chegava de outra entrada longa e dolorosa pelos igarapés, lagoas, matos cerrados e rios volumosos, com mais de duzentas canoas que podiam navegar num silêncio absoluto. Para Vieira, os índios aprenderam a manha das plantas que vivem sem alarido.

– Vossa Mercê pode dar a notícia ao Conselho Ultramarino.

– Comunico ao rei as derrotas e conquistas religiosas. As seculares, só quando dizem respeito à mesma fé difundida aos gentios. Deixo-vos os fatos mundanos a quem veio ao Maranhão tratar de assuntos da terra e não da gente.

– O ouro e a prata são deveras meu ofício e meu serviço demais de profissão, mas nele vislumbro, padre, apenas o quilate verdadeiro e puro e as nuanças de variações metálicas preciosas, dados orgânicos e físicos. Sou igual a um cientista de engenharia que mede, regula, registra e calcula.

– A engenharia de obras discorda da engenharia de minas – disse Vieira. – Os homens cá colocam outra óptica e clivagem: a ambição, que não é elemento químico, mas desvario descuidoso e mau dos homens que os desejam, ruinosos e sôfregos.

O vinho era servido no barrilote que chegara de Évora. Ao menos o vinho podia ser admirado e amenizar o sal do porco assado em brasa, porque Vieira abominava a cerveja de milho que os colonos, na falta de vinho português, fabricavam em seus quintais na prática aprendida com os selvagens.

José Cintra era mineiro. Chegara ao Maranhão um ano antes e partira logo em missão com uma entrada em que Vieira não participara, mas organizara. Acompanhava Cintra outro homem de minas, português de Aveiro, estudante em Leipizing. O pobre do Castro, moço delicado, alvíssimo, de tez pálida, não suportou os odores pestíferos e acabou sucumbindo às febres malignas apesar dos cuidados médicos e os unguentos dos gentios. José passou a viajar sozinho e sem ter com quem comentar, discutir, averiguar e conferir os dados que colhia.

– Mas estou seguro, padre, de que por estas terras em que andei do Maranhão e do Pará não existe ouro ou diamante, nem outro metal tão precioso, que a terra há de se fartar apenas dos grãos que a muitos devem ser preciosos e se colhem em abundância, ao contrário de outros que perseguimos.

Padre António andava preocupado com a questão das minas. Fizera um sermão em Belém. Queria mostrar que o ouro e a prata traziam mais danos que benefícios. Mesmo sem ciência, não vira nenhum ornamento ou peça que se assemelhasse a ouro no pescoço ou nas mãos dos índios. Ou mesmo qualquer objeto nas aldeias em que tivesse posto os olhos.

– Perde Sua Majestade uma boa parte da riqueza que nossa pátria poderá arrecadar, mas pelo menos ficamos livres da cobiça, da febre delirante que transforma bons cristãos em homens doentes. Essas minas que tanto desejam e estimam, ordinariamente não as descobre, nem as dá Deus por merecimento, senão em castigo de grandes pecados.

Comentou com o pesquisador de minas suas leituras sobre Potosí.

            – Vida miseranda! Eu nunca fui ao Potosí, nem vi minas; porém nos livros que descrevem o que nelas se passa, não só causa espanto, mas horror, ler a fábrica e as máquinas, os artifícios e a força, o trabalho e os perigos com que as montanhas se cavam, as betas se seguem, e, perdidas, se tornam a buscar: os encontros de pedernais impenetráveis, ou de águas subterrâneas, que rebentam das penhas, as quais, ou se hão de esgotar com bombas, ou abrir-lhes novo caminho, furando por outra parte os mesmos montes: o estrondo dos maços, das cunhas, das alavancas e de outros instrumentos de ferro, alguns dos quais têm cento e cinquenta libras de peso, com que se batem, cortam de arrancam as pedras. É uma visão do inferno! Que utilidades se têm servido a Espanha dessas catacumbas? A mesma Espanha confessa e chora que lhe não têm servido mais que a de despovoar e empobrecer.

Vieira levantara-se. Um tapuia trouxera uma bacia para que lavasse as mãos. O padre sentou-se numa cadeira perto da janela de onde se podia ver a praça de armas ou a praça maior como alguns colonos gostavam de chamar.

– Aqui campeia o diabo, senhor José Cintra, sem precisar de ouro. Incestos, corrupção, feitiçarias, hereges, um mundo de perdição.

Vieira estava absorto com a visão do terreiro à sua frente. Ali ficavam a Casa de Misericórdia ao cabo da praça, o palácio do governador e a Câmara Nova com sua enxovia debaixo para a banda do mar. Além do Colégio dos Padres da Companhia de Jesus, de Nossa Senhora da Luz, logo atrás da Sé.

– Alguns são parcos de inteligência. Às vezes penso que aqui prego no deserto, prego para as pedras antes que para os peixes, pois, se os homens têm razão sem uso, os peixes têm uso sem razão. Já as pedras – disse depositando os cotovelos no parapeito da janela – não têm nem razão nem uso próprio.

Embora a maioria da população fosse pobre, camponeses desprovidos de qualquer refino, havia na colônia muitos padres, para não falar dos civis, belgas, suíços e alemães e com eles um pouco dos costumes da terra natal.

Vieira andou pelos rios Tapajós e Tocantins, foi até o Amazonas e Pará e subiu a serra fria e nebulosa de Ibiapaba. Homem que viveu nas cortes, foi diplomata na Holanda e França, onde conheceu Mazarino, intermediou o frustrado casamento de Dom Teodósio com a grande (de tamanho) princesa mademoiselle, um virago sete anos mais que o esquálido príncipe, beato de voz sumida. Sugeriu a El-Rei comprar Pernambuco dos holandeses e utilizar-se do capital sefardita. Este homem do mundo, ao chegar em São Luís, sentiu-se em desterro.

Em junho de 1618, o Brasil fora divido em dois: a parte sul, o Estado do Brasil, com São Paulo, Rio, Bahia e Pernambuco; a parte norte, com a criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão. Antes, em 1612, o francês Daniel de La Touche, Seigneur de La Ravardière, comandou a invasão à ilha de Upaon-Açu, habitada pelos tupinambás. Expulsos os franceses pelos portugueses, a ilha de São Luís sofreu nova investida: a dos holandeses, postos para fora dois anos depois.

Vinha o padre António com cinquenta mil-réis de ordenado, dinheiro que nunca usou em proveito próprio, e sabedor que não morreria de fome enquanto houvesse alguma farinha de mandioca e um pouco de caranguejo. E nem muito menos andaria nu como os índios, por se ali houver algodão e tujucos para confeccionar uma roupeta de jesuíta.

Partiu a 22 de dezembro de 1652 num caravelão. A sua partida foi entre divertida e ansiosa: queria que D. João IV o convocasse para restar no Reino e, ao mesmo tempo, desejava partir para o martírio. D. João IV deu ordens e contraordens para manter e despachar seu mais amado conselheiro.

Depois de estadas na ilha da Madeira, onde se incorporou à nau que vinha ao Maranhão, fez escala em Cabo Verde e por pouco o padre António por lá ficava, fascinado em converter à fé os gentios negros. Admirava-se dos padres cor de azeviche, brilhantes em sua negritude azulada, de serem teólogos gentis e acolhedores.

Ao chegar à ilha que fora dos franceses e holandeses, Vieira vivenciou o desgosto antigo e pesaroso da intolerância dos colonos. Já conhecia a pendenga teológica – os índios teriam ou não alma? – e a disputa rude e mercante: sem as mãos gentias não havia como fazer prosperar lavoura e engenho.

No mesmo dia em que partiu do Tejo seu caravelão indeciso e flutuante de dúvidas, embarcaram de volta ao estado do Maranhão, em outra nave, três dos que seriam por todo tempo em que viverá em São Luís seus desafetos: os capitães-mores Baltasar de Sousa Pereira e Inácio do Rego Barreto, e desembargador João Cabral de Barros.

Levava com ele oito sacerdotes, dois estudantes e dois coadjutores temporais, um oficial de carpinteiro, outro de serviço comum e generalíssimo. Entre eles, estava o aturdido padre Manuel de Lima, que portava a patente de comissário do Santo Ofício a ver se podia ou não instalar um tribunalzinho operoso, severo e malévolo contra os desvios possíveis e humanos dos pobres da ilha de São Luís. Sabe-se que em terra desértica e ignota o diabo irriga sua lavoura de hereges.

Vieira trazia no bolso da roupeta a liberdade dos índios cativos. Mas, novato em terra nova, virgem em terra virgem, reuniu sua tropa militar de padres e arengou que o confessionário não deveria ser tribuna: se o colono não falasse da dor de servir-se dos índios, o confessor nada devia pronunciar, mas, se perguntasse se era culposo colocar brida e cangalha em gentio, então o padre deveria orientar o pecador em seu pecado.

– Espero que vós estejais preparados para uma peleja que não é só do Maranhão ou que venho trazendo como um mensageiro da discórdia. Já a conhecia desde os tempos da Bahia.

Vieira se referia às instruções de El-Rei para cabal e ruidosa liberdade dos índios. A lei foi publicada e gritada em tom grave pelo pregoeiro que bateu tambor pela cidade ludovicense. A reação foi imediata, prevista e má. Dois vigários gerais, os superiores dos carmelitas e dos capuchos, a nobreza e até os pobres assinaram uma petição contra a presença dos inacianos e reivindicavam dura expulsão e severo exílio para a volta ao Reino de toda Companhia de Jesus.

Levaram o papelucho para que Vieira assinasse a contraordem de El-Rei, que, óbvio como na natureza há lua e sol, o superior dos jesuítas se recusou. Dirigiu-se então o poviléu para frente da Câmara com o propósito desaforado de gritar e bramir porretes. O capitão-mor que viera no caravelão de Vieira colocou ordem e disciplina militar em tropa civil e desordeira. O procurador mesmo da Câmara era um dos insurretos. Jorge Sampaio gritava para colocar os religiosos em duas canoas desfiguradas e rotas a fim de perecer o corpo danoso das ideias libertárias em favor dos índios.

Em Salvador, Vieira acompanhou a luta dos inacianos contra a escravidão dos índios e chegou-se a um acordo de trazer negros da Guiné e de Angola para substituir os gentios rebeldes. Os colonos do Maranhão nem chegaram a pensar nessa hipótese: não tinham dinheiro para comprar negros. Os vermelhos eram baratos e fartos, exuberantes e muitos em terras próximas e contíguas sem mar oceano que os intermediasse e custasse fortuna como adquirir uma peça africana.

Vieira era a favor da escravatura negra. O argumento do padre continha elementos de teologia. Era preferível que se aprisionasse, pusesse os gentios africanos em barcos insalubres e tumbeiros e os trouxesse para a nova terra do Brasil do que os dispusesse Deus em seus rituais bárbaros, perdidos na selva e na fé. Cativos, postos em ferro, tinham a liberdade da alma. Agora podiam morrer em paz e batizados, mesmo que o corpo pertencesse não a Deus, mas a seus donos.

Dias depois, Vieira subiu ao púlpito para seu primeiro sermão na ilha. A fama de orador antecedera a chegada do padre ao Maranhão. Todos acorreram à igreja. Uns para ouvir se era verdade que António tinha o poder encantatório e clérigo de convencer os incrédulos; outros buscavam descobrir que manhas o padre usaria para safar-se do imbróglio em que se metera ao colocar os pés em terra brasílica.

            Vieira começa falando das tentações que o diabo fez a Jesus: numa das três o demônio oferece o mundo em troca da alma de Cristo. E alfineta: ela, a tentação, é própria da terra em que estamos. “Que ofereça o demônio mundos, e que peça adorações!”. O público pouco respira. As piedosas senhoras sentem a culpa de existir. O demônio conhece a alma dos homens porque também é uma alma. Alma decaída, mas alma. “O demônio, como é espírito, e a nossa alma também espírito, conhece muito bem o que ela é.” Os que eram contra o jesuíta também se sentavam nos bancos, incomodados e impacientes. “Mas já que o demônio nos dá doutrina, quero-lhe eu dar um quinau”.

            O capitão-mor e sua trupe militar olham em volta para ver a reação dos colonos. “Os irmãos de José eram onze, e venderam-no por vinte dinheiros, saiu-lhe por menos de dois dinheiros a cada um”. Aonde o padre queria chegar? O padre sugere que se o colono for vender a sua alma, que não a venda tão barata, mas a peso. “Tomai as balanças do demônio na mão; ponde de uma parte o mundo, e da outra uma alma, e achareis que pesa mais a vossa alma que todo o mundo”.

            Outros religiosos ali estão: os mercedários, os carmelitas, os capuchos. Admiram a retórica, odeiam o homem. “Ouvi uma verdade de Sêneca, que por ser gentio, folgo de a repetir muitas vezes. Nihil est homini se ipso vilius. Não há coisa para conosco mais vil que nós mesmos.” E manda que os colonos ali presentes busquem em sua casa coisa mais vil que nela se encontre. “Buscai a coisa mais vil de toda ela, e achareis que é a vossa própria alma”. Ouviu-se um reprimido e angustiado óó.

            Os mais jovens, impetuosos, arrebanhados pela ideia mística, nunca ouviram palavras tão belas e deformantes. Um mundo de espetáculo onde em vez de circo ouvem-se apenas os saltos e malabares da palavra.

            E Vieira agora abusa de sua oratória e em tom mais grave e alto sentencia:

            “No Maranhão não é necessário ao demônio tanta bolsa para comprar todas as almas: não é necessário oferecer reinos, não é necessário oferecer cidades, nem vilas, nem aldeias. Basta acenar o diabo com um tujupar de pindoba e dois tapuias; e logo está adorado com ambos os joelhos. Oh que feira tão barata.” Os colonos mais pobres assentiam com a cabeça, horrorizados com o poder do diabo. Os fidalgos bufavam, inquietos no banco incomodante. A maioria, contudo, ouvia certa música celestial onde não havia mais que a voz de Vieira.

            E o padre se aproximava do ponto em que queria ferir a ambição dos senhores de engenho, tabaco, lavoura e alma dos índios. “Sabeis, cristãos, sabeis nobreza e povo do Maranhão, qual é o jejum que quer Deus de vós esta Quaresma? Que solteis as ataduras da injustiça, e que deixeis ir livres os que tendes cativos e oprimidos” E ameaçava com catástrofes que fazia a plateia suspender a respiração pouca e de massa: o faraó não deu liberdade aos hebreus. O resultado foi a praga. “A terra se convertia em rãs: o ar se convertia em mosquitos: os rios se convertiam em sangue: as nuvens se convertiam em raios e em coriscos: todo o Egito assombrado e perecendo!”

            As beatas se benziam. “Quem pede o ilícito e o injusto, merece que lhe neguem o lícito e o justo.” Os fidalgos temiam a conclusão daquele sermão chamado por eles demoníaco. Entreolharam-se, rangeram-se dentes. “O pão que assim se granjeia é como o que hoje ofereceu o diabo a Cristo; pão de pedras, que quando se não atravessa na garganta, não se pode digerir”.

            Vieira então chegou à proposta de contrato social entre os senhores donos de engenhos e de almas gentias e os pobres índios cativos. Já não falava como clérigo, a mudança de tom da oratória era visível e audível: o padre propunha a questão da liberdade dos índios.

            “Ao sertão se poderão fazer todos os anos entradas, em que verdadeiramente se resgatem os que estiverem (como se diz) em cordas, para ser comidos; e se lhes comutará esta crueldade em perpétuo cativeiro. Assim serão também cativos todos os que sem violência forem vendidos como escravos de seus inimigos, tomados em justa guerra, da qual serão juízes o governador de todo o estado, o Ouvidor-geral, o vigário do Maranhão ou Pará, e os prelados das quatro religiões, carmelitas, franciscanos, mercedários, e da Companhia de Jesus.”

            Oh assombro, dúvida, perplexidade! Ao terminar o sermão, ouviam-se as vozes conturbadas, umas em revolta e desafio, a maioria em admiração e angústia. A visão do abismo, a imensidão e a eternidade do fogo do inferno, tudo inquietava as mentes já febris e apavoradas com a proximidade do fim do mundo. Os que sempre se opuseram aos inacianos tinham ali a prova de que não iriam desistir de criar o império de Deus, de El-Rei, e, por último mas não menos importante, dos padres da Companhia de Jesus. Era 2 de março, a primeira dominga da Quaresma. Vieira só tinha dois meses e alguns dias de permanência nas terras do Maranhão. E falava no mesmo tom, elegância e estilo dos seus sermões para os grandes da Corte e diante da presença de D. João IV.

Em outubro de 1653, Vieira perdeu um pouco do poder que a carta-régia de El-Rei lhe tinha conferido. Depois que dois procuradores da Câmara pegaram caravela em direção a Lisboa e de lá vieram com nova ordem do Conselho Ultramarino que reavivava uma lei de 1609, Vieira viu seu poder temporal e espiritual sobre os índios diminuir. Agora ficava acertado que se podia prear índios na “guerra justa”, ou seja, aqueles gentios que tivessem atacado os colonos ou promovessem guerras genocidas entre suas nações.

À modorra da tarde, Vieira atravessou o terreiro, esteve na Câmara a discutir com os colonos alguns detalhes da nova expedição. Vieira gostava mais dos debates em que houvesse algum compromisso com a imaginação e a retórica, os pormenores sobre um arruamento, a necessidade de lampião em determinado ponto da cidade, não o interessavam.

– Percebo que vós estais distraído, padre Vieira.

– Esta canícula miserável. E parece que o leitãozinho favoreceu a gula – pecado destes tempos – e me fez comer mais que devia.

Vieira comia com frugalidade. Preparava sua própria refeição, num fogareiro que enevoava o ambiente minúsculo. Dormia sobre uma tábua rija e intolerante com o corpo mole. Vestia um pano grosseiro, mais pardo que preto, como farinha de pau, esmaecido, tinto de barro, e calçava sapato de porco montês.

Voltou a sua cela no Colégio. Dormiu um pouco, acordou, rezou. O seu fiel servente trouxe-lhe duas cartas, da cidade mesmo, que Vieira não abriu. Jogou-as sobre a mesa, dirigiu-se ao solar da rua paralela ao Caminho Grande e visitou os doentes da casa que alugara com seu próprio salário para acudir aos enfermos.

De lá seguiu para a minha casa, conversamos um pouco sobre Catão e Aristóteles, recusou o vinho do anfitrião, mas aceitou o pão de milho que Rafaela fazia melhor que os de trigo. Ela prometeu enviar uma cesta todas as manhãs para o colégio ou o convento de Santo António, onde Vieira estivesse.

– Quereis alimentar-me, dona Rafaela? Alimentar-me a alma? Então envie vossos pães deliciosos para meu abrigo de enfermos.

– Saco vazio não se põe de pé, padre. Faço vossa vontade, entrego o pão aos que têm fome. Mas isso pratico desde muito e fortemente. Trago uma tradição da minha família que é apoiar outras famílias. E neste deserto verde de palmeiras, rios que nos cortam e a abundância de água que o Maranhão nos fornece e afoga, busco também como uma alma penada acolher enfermos e desamparados. Meu filho Rui muito se cuida e preocupa, vós o conheceis, e muito se entrega a seu ofício sem que ninguém o pague por ele. Rui um hospital ambulante, sem enfermaria e sem cuidados de convalescência, sem leitos e sem botica, além das ofertas grandes e difusas da medicina dos gentios.

– Oh Deus, dona Rafaela, não vos quis ofender. É que vivo numa solidão muito digna da pobreza. Recuso os vícios da gula que pode me corromper para o exercício do meu magistério. Mande-me lá, também, uma cesta de vez em quando. Deus há de entender que não me excedo, mas faz parte de minha participação nesta república do Maranhão e há de me perdoar.

Vieira riu e despediu-se. A brisa fresca vindo do Coti arrodeava a cidade como uma cinta de brisa. Àquela noite, Vieira sonhou que mergulhava num lago escuro e lá embaixo encontrava com índios com as cabeças nas mãos. Ele perguntava o que acontecera e os selvagens relatavam que os portugueses vieram e cortaram-lhes as cabeças. E eles agora não poderiam voltar para morar em suas aldeias em terra firme enquanto o senhor Deus não lhes pusesse as cabeças no lugar. Vieira rezou com os índios e as cabeças voltaram. O sonho se repetia. Quando Vieira soube que a Afogada falara sobre uma cabeça que rolava em seu quintal suplicando que seus algozes lhe devolvessem o corpo seu dela, cabeça, o padre assustou-se porque já vinha sonhando há tempos com os índios sem cabeça submersos.

domingo, 23 de novembro de 2025

Nasci na mesopotâmia de São Luís, inédito

 










Nasci na mesopotâmia de São Luís, lá onde o Bacanga
e o Anil fertilizam a civilização dos ilhéus.
Nesta ilha assombrada pela pobreza e pela História,
Viera ainda dá sermões para um século que não mais existe.
Serpentes gigantes, reis desaparecidos em Alcácer-Quibir,
Mães d’água que amamentam meu terror noturno,
anas-jansens que se reduzem ao fogo da memória,
nossas sés e igrejas e paróquias desprovidas,
as inconfidências percorrem as ruas do medo,
o largo do desterro, a ladeira dos sonhos,
os sobrados da fanfarronice e endlessness,
as tripas da discórdia, o boqueirão das vontades
reprimidas, o beco das dores íntimas,
sem saída, a morbidez encurralada
pelo devaneio das cantarias.
(do livro inédito 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Outra crítica sobre Vieira na ilha do Maranhão (Vera Lúcia de Oliveira)


                                              













 Um Imperador no Maranhão

Vera Lúcia de Oliveira

O imperador da língua portuguesa, como foi chamado o padre Antônio Vieira por Fernando Pessoa, viveu oito anos no Maranhão. De 1653 a 1661, realizou o seu trabalho missionário entre colonos, gentios, índios antropófagos, bichos e insetos demoníacos, doenças raras e bizarras, peste e todo tipo de perigo. Um horror. Mas cumpriu a missão que lhe foi designada pela Ordem dos Jesuítas, a que pertencia de corpo e alma. (Dizem as más línguas que Vieira não era português nem brasileiro: era jesuíta). Se lhe fosse perguntado, diria, com certeza, que preferiria atuar nas cortes europeias, onde desempenhou as mais altas funções, de embaixador a conselheiro de reis e rainhas, pois era homem político. Mas, além disso, ortodoxo que era, dedicou-se ao cargo de Visitador da Companhia de Jesus e à expansão da fé católica. Visitou indígenas, pregando a Palavra de Deus. E vociferou contra todos os desmandos da gente portuguesa. Não poupou ninguém. Nem aos sacerdotes seus pares.

Mais do que esse período no Maranhão, Vieira (1608-1697) é parte importante da nossa história porque viveu no Brasil dos seis até perto dos trinta anos de idade, na Bahia, onde foi criado, em Pernambuco, onde foi professor, para retornar outras vezes deixando sua marca profunda na história política, social, religiosa e cultural do país. A sua obra magistral é sem precedentes e sem continuadores. Talento ímpar. Escreveu as mais belas e inspiradas páginas de sermões, cartas e obra profética.

E não foi por outra razão que agora dá título e vem como personagem em Vieira na ilha do Maranhão, (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2019), romance histórico do poeta e ficcionista Ronaldo Costa Fernandes, que, com poesia e muita imaginação, nos transporta para o século 17, para vivermos a aventura dos colonizadores na chamada ilha do Maranhão. É uma aventura e tanto. E também uma experiência antropológica. Na natureza selvagem, em meio a todo tipo de conflitos, busca insana de riquezas e posse da terra, escravização dos índios, as ordens religiosas exerceram papel dos mais relevantes. O principal deles – aí entra o trabalho do padre Vieira – foi a defesa dos índios, vítimas primeiras do processo de escravidão na colonização europeia, como nos conta Ronaldo em seu estilo admiravelmente culto, elegante e elevado. Como ensina Vieira.

Ronaldo debruçou-se sobre a história do Estado que o viu nascer e, com riqueza narrativa, expressou o ambiente cultural que o impregnou ainda na infância, ficando totalmente à vontade no trato do tema. O conhecimento do clima tropical, com o calor úmido, pegajoso e infernal, a indolência da gente, a beleza da paisagem oceânica, a cor local enfim é de um connaisseur que se sente em casa para contar a sua história.  A trama se passa, portanto, no Maranhão e é um verdadeiro cabo de guerra. De um lado, os colonizadores europeus ávidos por riqueza, valendo-se de crueldade sem precedentes na escravização dos índios, coitados, para o trabalho em suas fazendas; e, na outra ponta da corda, a arraia-miúda e os religiosos com seus próprios interesses, mas a favor do tratamento humanizado desses habitantes naturais da terra, sempre incompreendidos e aviltados, essa gente “que não tem Fé, nem Lei, nem Rei”, como a chamou Gândavo, cerca de um século antes, em 1573.

As personagens constituem o ponto alto da narrativa: religiosos dedicados, cultos; irmãs de caridade no trabalho de acolhimento em seus conventos; colonos sem escrúpulos, donos de terra e gente; trapaceiros de toda espécie; foragidos da lei; saqueadores; mulheres com fogo nas entranhas; índios barbados; doentes, loucos: todos - todos - seres humanos dignos de figurar no bestiário de Borges. Com quanta crueldade se faz uma nação colonizada? É o que Ronaldo parece perguntar. Uma gente movida por impulsos, pulsões sexuais, mais que isso, instintos primitivos de vida, algo semelhante a uma longa noite pré-histórica do nosso passado de gente explorada.

Mas essa profusão de viventes exige muita atenção do leitor, pois, por capricho talvez do narrador, essas personagens são chamadas ora pelo nome completo, ora pelo primeiro nome, ora pelo sobrenome, ora pelo seu ofício, dificultando de imediato a sua identificação.  Sem falar nos nomes duplicados e na mudança repentina de cena.

O narrador é um colono português, sabedor de todos os acontecimentos, que nos enreda na teia da história de uma gente que vive por milagre, uma vez que tudo conspira contra ela. Ele se diz amigo do “Paiaçú” (pai grande) padre Vieira, que, embora não seja o centro da narrativa, perpassa-a com sua forte e poderosa presença, dando luz e força ao texto. Faz toda a diferença. Surge aqui e ali, na casa de um e de outro, sempre nos momentos em que a sua presença e autoridade são requeridas, a exemplo do infame episódio da barca dos insensatos, na qual foram atirados os excluídos e indesejados pelos mandantes da ilha, para que fossem eliminados, e que é dos momentos mais pungentes do livro. E, como está sempre em movimento, Vieira parte nas entradas por terras rudes e igarapés tortuosos e traiçoeiros, em meio à selva, para levar a Palavra de Deus aos índios dos mais remotos ermos. E, principalmente, para afugentar o perigo calvinista, hereges, em sua opinião, que disputavam a alma dos índios.

Pois esse imperador do nosso “rude e doloroso idioma”, na melancólica expressão de Bilac, com sua roupeta surrada e sandálias gastas, que dormia num catre duro de madeira, que acreditava nas profecias que diziam do advento do V Império de Portugal, que fez sermões duríssimos de emudecer até os santos nos nichos da igreja, que disse: “Não há verdade no Maranhão”, ele, sim, engrandece o livro do Ronaldo e nos enche de orgulho, não patriótico, mas humanitário.


(Correio Braziliense, 7.09.2019)








domingo, 16 de novembro de 2025

Um homem é muito pouco 24


    
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            A casa tem mais habitantes. 
            Está cheia de percevejos, baratas e outros insetos. 
            Nunca vi um percevejo. Se percevejo é bicho redondo de várias patas, já vi percevejo. A impressão que tenho é que estão dentro de mim. De noite me coço e não sei que família de bicho me ataca. Passei muito tempo inerte, paralisado, alimentando-me do sangue das sopas ralas. Não tenho os nervos abalados, não, tenho poucos nervos. E meus nervos estão cheios de percevejos.

            Eu contratara uma empregada que vinha aqui duas vezes por semana. D. Etiópia. Eu dizia pra ela que o nome dela era nome de país, ela ficava me olhando e talvez pensando que eu era meio gira. D. Etiópia é uma branca gorda e forte e não tem nada a ver com a Etiópia. Como a Itália, na Segunda Guerra Mundial, invadiu a Etiópia, numa ópera bufa, d. Etiópia podia muito bem ser filha de emigrante pobre italiano que deu o nome atravessado para a filha. Mas Etiópia não tinha nada de italiana, a não ser a gordura napolitana e a força mafiosa de suas mãos capaz de suspender um homem em cada mão. Depois não tive como pagar d. Etiópia e a casa foi sendo tomada pelos bichos. Toda minha louça está suja e engordurada na pia. As baratas se equilibram sobre o copo, outras sobre o cabo das panelas, outras até fizeram ninho no interior de uma lata aberta. As formigas passam por mim indiferentes e sem medo. As formigas não têm medo. Não há na fisiologia da formiga nenhuma glândula que excrete o medo. Se pudesse arrancava a minha glândula que secreta medo. Iria até o dentista e pediria ao dr. Máximo que me tirasse a glândula do medo e ele responderia que não era cirurgião, o que fazia era extrair dente e, além do mais, não queria se meter em minha vida, mas nunca tinha ouvido falar em extrair a tal glândula do medo. Dr. Máximo é tão velho que a glândula do medo dele deve ter secado. A loucura e a velhice devem entupir a glândula do medo. Só um sujeito com a idade de dr. Máximo ia até o puteiro de d. Sereja sem medo. E a razão era que a glândula do medo dele não excretava mais líquido nenhum.


(do livro Um homem é muito pouco. São Paulo: Nankin, 2010.)

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sábado, 15 de novembro de 2025

O fósforo e a exaustão, poema

 








 


 

 

Os fósforos se imolam

consumidos pelo fogo.

Mas para mim

são a imagem da exaustão

que os consomem.

Sinto que um dia

morrerei como um fósforo,

um homem exausto de viver

e consumido

pelo fogo da vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Lição de desastre, poema RCF




Pode o verão dizer orfandades?
No quadro-negro,
o risco é meu equilíbrio.
O enxame dos segundos
varíola minha lições de desastre.
Não sou insular,
sou arquipélago,



sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Intolerância, poema

 

 






 

 

 

Um gole de vinho

dos versos,

  mas, cuidado –

os versos podem inquietar

a aspereza dos ventos.


Nem todo vento,

todos sabem,

alisam a tarde.

Há alguns, forasteiros,

que encrespam

as ondas das nuvens.

A pior não é

a intolerância a outros homens.

A pior intolerância

é a intolerância a si mesmo.